segunda-feira, 31 de maio de 2010

Como o que aconteceu por Gaza (não em Gaza) influenciou nosso documentário

por Arturo Hartmann

Bom, foi difícil dormir de domingo para segunda. O quarto do hostel em Tel Aviv era ruim, o calor insuportável e os mosquitos implacáveis. Além disso, em uma última lida nas notícias antes de dormir, a ameaça que a frota de Gaza poderia sofrer. Um conjunto de coisas que levou a uma insônia angustiante. Este era o sentimento antes que o exército israelense levasse adiante uma ação que matou cerca de 10 pessoas. Depois, aqui, coloco o relato que fiz no calor da hora a Tiago Lafer pelo Facebook:

“As televisões só dão isso. Organizações em Israel se mobilizam para saber o q aconteceu. Os sites de jornal tb. Para o Haaretz, uma ação desastrosa do governo, um ataque covarde a ativistas. Para o Yedioth Ahronot, uma ação para proteger Israel. Mas, em Tel Aviv, a bolha, as pessoas vivem suas vidas. O clima é mais ou menos esse. Por enquanto é isso. Amanhã saberei mais. ... Mas a coisa virou aqui. Relações Israel-Turquia, que já não eram boas, parece q foram de vez pro saco. Israel agora cria sua versão pra abafar o caso. Quer que a cobertura seja entre o q dizem os soldados feridos e o q dizem os ativistas. Não sei. Amanhã vamos saber a extensão do que aconteceu. Aqui a noite cai. Vai ser difícil dormir de novo. Foda”

domingo, 30 de maio de 2010

“If you can get me the Mediterranean, it would be great”

por Arturo Hartmann

foto: José Menezes

Ali Youssef foi um dos bons amigos que fiz na Palestina em minha primeira viagem. Me acolheu e me ajudou quando eu ainda me adaptava a este lugar que eu muito havia imaginado, mas pouco havia vivido. Nesta minha volta, estava eu na varanda da hospedagem de Tel Aviv, dia 30 de maio, e conversava com ele pela internet. Ofereci a ele levar algo de que necessitasse de Israel, afinal ele não pode e nem sonha (talvez sonhe) entrar aqui.

Ele me pede que, “se eu puder, que leve o Mediterrâneo”. Prometo a ele que vou tentar. O mais irônico é que nesta tarde eu havia dado meu primeiro mergulho neste mar, nesta linda costa de Israel, que faz a costa de Tel Aviv. Foi refrescante, foi, se é que podemos dizer isto nesta terra, pacificador. Ali Youssef, juro que vou tentar.

quinta-feira, 27 de maio de 2010

As primeiras caminhadas por Jerusalém

por Arturo Hartmann


foto: Lucas Justiniano

Jerusalém, nossa base. Cidade complicada. Achar personagens por aqui que possam contar parte desta realidade é nosso primeiro desafio nestas terras palestino-israelenses. Ainda mais porque pisávamos na capital da ocupação, ou, para se mais claro, na capital desta sociedade que enxergo como sendo uma.

Precisamos dar conta desta divisão que existe entre o fato de Israel fazer desta cidade que deveria ser duas apenas uma e o fato de os palestinos viverem desde 1967 sob o cotidiano, de um lado, da ocupação, mas de outro do dia-a-dia de fato. Eles compram, estudam, sabem árabe, falam hebraico. Andei com Justiniano e Assumpção. Ambos se impressionaram em como as coisas mudam em apenas um quarteirão, caminhando da rua Jaffa, desde o ponto em que há a rua Mamilla, até a descida que leva ao Portão de Damasco da Cidade Velha. Ali começa a ficar claro o que significa especificamente o conflito. E digo a eles que, literalmente, aquele é apenas o começo.

Os primeiros dias e a busca por personagens

por Arturo Hartmann


A chegada foi uma sensação estranha. Faria o caminho contrário da minha última viagem. Entrei pela Jordânia, me adaptei em Ramallah. Conheci em primeiro lugar os Territórios Palestinos Ocupados. Agora, não. Nossos primeiros dias seriam divididos entre Jerusalém e Tel Aviv. Os primeiros personagens que buscaríamos para nosso documentário seriam aqueles que vivem o cotidiano da sociedade israelense. Ativistas ou aqueles que não se importam com o que acontece para além da fronteira que os separa da Cisjordânia – mais ao leste- ou de Gaza – mais ao sul. Em Jerusalém ignorar esta realidade é mais difícil, pois ela está a um caminhar de dez minutos, está em cada esquina desta cidade que ironicamente insistimos em chamar de santa. Mas não em Tel Aviv, que não à-toa é conhecida como “a bolha”.

Além do conflito entre israelenses e palestinos, que as ações de cada um cuidou de estruturar, nossa preocupação recai também sobre a comunidade de judeus africanos e de não-judeus asiáticos do leste – o que faz com que ignoremos por um momento a elite israelense ashkenazi e os nativos palestinos, o centro do problema. O fato é que esses novos atores, vindos da África negra (como os etíopes e sudaneses) ou da Ásia (filipinos ou tailandeses) posam um novo problema para isso que eu, particularmente, chamo de sociedade da ocupação. Uma definição que prefiro para além da divisão comum que se faz de dois lados ou de dois Estados. Posso desagradar a palestinos e certamente desagradarei a israelenses. Mas olho para este lugar como se fosse apenas uma sociedade, que interage no cotidiano sobre a base da violência ou de uma cooperação para a resistência conjunta. A Copa do Mundo será nosso norte, que congregará uma linguagem conjunta que pode, ou não, tornar possível essa visão de uma coisa única, porém, não harmônica. O desafio está apenas em seu primeiros dias.

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Mais um pouco sobre o cenário que vamos retratar – aquele meu último dia no banco entre Tel Aviv e Jaffa

Texto originalmente escrito em 12 de março de 2010

por Arturo Hartmann


Viajar por Israel revela um outro lado da questão. É possível, aqui, entender a alienação dos israelenses e por que poucos se importam com a realidade das pessoas que caminham no centro de Ramallah, nos campos de refugiados de Nablus ou que têm suas lojas no centro de Hebron. Apesar de a maioria deles possivelmente já ter pisado nos Territórios Ocupados da Palestina como soldados, não enxergam aquilo como um problema com o qual devam se preocupar ao caminhar pelas praias de Tel Aviv. Ao olhar a paisagem isso torna-se compreensível.

Jaffa ainda ostenta algumas igrejas e mesquitas que são o sinal da presença de uma população não-judaica por aqui. A população nativa palestina. Enquanto escrevo estas linhas, posso ouvir a chamada para a reza. O canto torna-se um modo de a população invisível falar. Se discussões de como os avós e bisavós da atual geração viviam são ignoradas por políticas de Estado, a sua presença não pode ser ignorada.

Após 3 meses de viagem, exausto, levo mais dúvidas do que trouxe. Mas esta sociedade da ocupação parece ter um desafio claro. Israelenses e palestinos devem suplantar e vencer as versões da História que lhes foram oferecidas, a visão identitária que têm de si as ações carregadas de interesses políticos de seus governos ou, no caso palestino, pseudogovernos.

Insisto. A vista desde aqui, de onde escrevo, é deslumbrante. É quase um pecado ter preocupações diante deste mar, mas é impossível não pensar nelas nesta terra. E em meio ao frio que o fim do dia começa a trazer*, tenho o resumo de décadas de conflito. À minha direita, Tel Aviv, cosmopolita e vibrante, o símbolo do que os israelenses querem retratar como a pujança deste pequeno e ainda novo Estado. À esquerda, Jaffa, a cidade testemunha do passado, o centro urbano que mais resistiu e sofreu em 1948 ao que os palestinos chamam de catástrofe.

Enquanto olho para o mar, preso entre as duas partes desta cidade, dou as costas para a terra na qual vim buscar respostas. E se as achei, fui recompensado com mais perguntas. A terra que se estende às minhas costas é a terra de Israel e da ocupada Palestina, onde estão o exército, os postos de controle, a injustiça, a falta de reparação, a resistência, a corrupção da resistência, uma imensa população que quer voltar para casa, que gostaria de estar sentada neste banco em que estou. Para elas esta seria um misto de terra estrangeira e de volta para casa.

Talvez se essas pessoas - hoje em Nablus, Bethlehem, Jenin e Ramallah, ou mesmo em Beirute, Chatila ou Mogi das Cruzes - pudessem sentar neste banco entre Jaffa e Tel Aviv, e olhar este mar, como gerações de refugiados insistem em sonhar, se fizessem a viagem que fiz até chegar aqui, talvez desistissem e se dessem por vencidos. Aceitariam a derrota, aceitariam a vitória estrondosa deste esforço de dominação. Ou não. Talvez se olhassem este mar e sentissem esta brisa, como seus avós e bisavós lhes contaram como seria, teriam seus espíritos renovados. A chamada para a reza silencia. Por um segundo, apenas o mar bate nas pedras, e parece ignorar o conflito que tenho às minhas costas.

* (era o fim do inverno em Israel)

terça-feira, 25 de maio de 2010

A ideia

por Arturo Hartmann


Foram três meses de discussão do projeto, que nasceu enquanto eu ainda cruzava as cidades de Israel/Palestina. Na verdade, há dia e hora. Eu estava em um bar de Bethlehem após um encontro com jornalistas da cidade. Convidaram-me para assistir à semi-final da Copa Africana de Nações entre Egito e Argélia. E, num lance em que todos vibraram, um deles virou-se a mim e disse: “quando a Copa do Mundo acontece, todos aqui, de certa forma, esquecem a ocupação”.
Mas o futebol não apaga os problemas daqui. Os palestinos todos torciam pela Argélia, visceralmente secavam o Egito. Naquele momento, o país governado por Hosny Mubarak era parte integrante do cerco que Israel realizava a Faixa de Gaza, controlando a passagem de Rafah.



foto: Lucas Justiniano



Contei o diálogo a Lucas Justiniano por Skype. Daí surgiu a ideia do documentário e ele, em São Paulo, encarregou-se de espalhar o desejo de fazê-la pelos outros membros do grupo.

A nossa ideia é fazer o futebol dialogar com o conflito. Vamos viajar por cidades pelas quais passei, vamos enxergar através de uma linguagem que nós, brasileiros, dominamos, a realidade que ganha diversos retratos, mas que não parecem dar conta da realidade por ali. Nosso projeto não espera ir além disso, vai ser mais um retrato, mais uma tentativa, através da festa universal do esporte universal, contar o que acontece em Israel/Palestina, a sociedade que eu, talvez a contragosto de alguns membros da própria equipe deste documentário, de “sociedade da ocupação”.

Mas se pode haver discordância, temos pontos em comum que nos fazem unir o esforço para que dê certo. Através desta linguagem de drama, fracasso, alegria, heroísmo, superação, falhas e, acima de tudo, humanidade que o futebol congrega, vamos mostrar o cotidiano da ocupação, deste conflito que muitos julgam insolúvel. Partimos de São Paulo em direção a Tel Aviv para começar uma jornada pela geografia daquela terra, pela história recente daqueles povos, pela política e pelos sentimentos que o futebol irá levantar.

O início: a equipe inicia sua viagem por Israel/Palestina

por Arturo Hartmann


No final de março, eu estava sentado em um banco do qual podia olhar o Mediterrâneo, uma linda vista entre Tel Aviv e Jaffa. Ambas são hoje a mesma cidade, mas estão separadas por raízes históricas que nem sempre se fazem claras. O sol rasgava o mar. Eu estava no que se pode chamar de epicentro da questão palestina, ou ao que chamam de conflito palestino-israelense. Ali acabava a viagem que fiz a este território entre dezembro de 2009 e março de 2010.

Dois meses depois, volto àquela terra acompanhado por Lucas Justiniano, João Carlos Assumpção, José Telles de Menezes e Tiago Lafer. Juntos vamos fazer o nosso próprio retrato da realidade daquele lugar. Este texto escrevo ainda em São Paulo, procurando entender o que será esta minha volta, mas o início para este projeto.

Penso em que filme nós cinco iremos produzir, como a nossa ideia de usar o futebol, mais especificamente a Copa do Mundo, pode servir ao propósito jornalístico e documental de fazer mais claro um dos mais complicados conflitos de nosso tempo. O nó dado em Israel/Palestina não é o conflito que mais mata ou que produz mais absurdos – apesar de ter a sua fatia de obscenidades -, mas desafia porque talvez seja as amarras que congregam questões centrais das relações internacionais.