quarta-feira, 26 de maio de 2010

Mais um pouco sobre o cenário que vamos retratar – aquele meu último dia no banco entre Tel Aviv e Jaffa

Texto originalmente escrito em 12 de março de 2010

por Arturo Hartmann


Viajar por Israel revela um outro lado da questão. É possível, aqui, entender a alienação dos israelenses e por que poucos se importam com a realidade das pessoas que caminham no centro de Ramallah, nos campos de refugiados de Nablus ou que têm suas lojas no centro de Hebron. Apesar de a maioria deles possivelmente já ter pisado nos Territórios Ocupados da Palestina como soldados, não enxergam aquilo como um problema com o qual devam se preocupar ao caminhar pelas praias de Tel Aviv. Ao olhar a paisagem isso torna-se compreensível.

Jaffa ainda ostenta algumas igrejas e mesquitas que são o sinal da presença de uma população não-judaica por aqui. A população nativa palestina. Enquanto escrevo estas linhas, posso ouvir a chamada para a reza. O canto torna-se um modo de a população invisível falar. Se discussões de como os avós e bisavós da atual geração viviam são ignoradas por políticas de Estado, a sua presença não pode ser ignorada.

Após 3 meses de viagem, exausto, levo mais dúvidas do que trouxe. Mas esta sociedade da ocupação parece ter um desafio claro. Israelenses e palestinos devem suplantar e vencer as versões da História que lhes foram oferecidas, a visão identitária que têm de si as ações carregadas de interesses políticos de seus governos ou, no caso palestino, pseudogovernos.

Insisto. A vista desde aqui, de onde escrevo, é deslumbrante. É quase um pecado ter preocupações diante deste mar, mas é impossível não pensar nelas nesta terra. E em meio ao frio que o fim do dia começa a trazer*, tenho o resumo de décadas de conflito. À minha direita, Tel Aviv, cosmopolita e vibrante, o símbolo do que os israelenses querem retratar como a pujança deste pequeno e ainda novo Estado. À esquerda, Jaffa, a cidade testemunha do passado, o centro urbano que mais resistiu e sofreu em 1948 ao que os palestinos chamam de catástrofe.

Enquanto olho para o mar, preso entre as duas partes desta cidade, dou as costas para a terra na qual vim buscar respostas. E se as achei, fui recompensado com mais perguntas. A terra que se estende às minhas costas é a terra de Israel e da ocupada Palestina, onde estão o exército, os postos de controle, a injustiça, a falta de reparação, a resistência, a corrupção da resistência, uma imensa população que quer voltar para casa, que gostaria de estar sentada neste banco em que estou. Para elas esta seria um misto de terra estrangeira e de volta para casa.

Talvez se essas pessoas - hoje em Nablus, Bethlehem, Jenin e Ramallah, ou mesmo em Beirute, Chatila ou Mogi das Cruzes - pudessem sentar neste banco entre Jaffa e Tel Aviv, e olhar este mar, como gerações de refugiados insistem em sonhar, se fizessem a viagem que fiz até chegar aqui, talvez desistissem e se dessem por vencidos. Aceitariam a derrota, aceitariam a vitória estrondosa deste esforço de dominação. Ou não. Talvez se olhassem este mar e sentissem esta brisa, como seus avós e bisavós lhes contaram como seria, teriam seus espíritos renovados. A chamada para a reza silencia. Por um segundo, apenas o mar bate nas pedras, e parece ignorar o conflito que tenho às minhas costas.

* (era o fim do inverno em Israel)

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