sábado, 17 de julho de 2010

Futebol e barreiras

por Arturo Hartmann

Hoje partimos, despedimo-nos das histórias deste lugar em Hebron, ali passamos nosso penúltimo dia. A cidade nos ensinou uma lição, talvez uma reflexão que precisávamos ter diante da ideia que tivemos. Viemos passar dois meses nesta terra com a crença de que, de alguma forma, poderíamos, através do futebol, ter uma visão deste conflito.

A ideia, pelo menos como ela parecia a mim, jamais foi dar a imagem de que o futebol pudesse amenizar o conflito, de que amainasse os ânimos e criasse uma linguagem de harmonia entre as pessoas que vivem um cotidiano de conflito.

Confesso que algumas vezes isso pode ter acontecido, que o quadro que se desenhava diante de nós nos tentasse a criar um mundo de paz nas telas, mas que seria distante do real. Se algo conseguimos, foi mostrar como o futebol se encaixa dentro de uma sociedade de conflito, como a linguagem tão comum a nós brasileiros transforma e é transformado na realidade específica de Israel e Palestina. O conflito poderia ser retratado a qualquer momento, mas o que fizemos foi escolher uma janela específica que nos dissesse algo mais. Diante dessa janela não tivemos controle. O futebol guiou a visão que fizemos deste lugar.

Se me perguntarem a conclusão a que cheguei sobre esse relato de nacionalidades, não saberia dizer. Fui perguntado por israelenses e palestinos à qual conclusão cheguei, mas não soube dizer. Minto se afirmar que não tenho opinião, que não cheguei a certas reflexões, até mesmo certezas. Mas Israel e Palestina ainda constituem um desafio, são amálgamas longe de estarem coesos, países que não são países, por diferentes motivos. A sociedade da ocupação, termo subjetivo e que eu uso, se forma a cada dia na negociação de seus atores. Inclusive que pode levar a um caminho de que este seja um país só.

Não quero com a palavra “negociação” banalizar a violência que eles vivem por aqui, não posso, especialmente depois de cinco meses nestas terras. Aos israelenses, a criação do medo, a base para a militarização de sua sociedade e de suas mentes. Aos palestinos, a ocupação, o cotidiano violentado e restringido.

As certezas a que esse filme chega, na minha visão particular, é a complexidade desta sociedade, sua humanização. E quando digo isso não quero dar a entender que o que acontece por aqui é trivial, que por trás da dureza das notícias que chegam até nós, existem belas atitudes humanas. Não. Quero dizer que humanizamos o conflito porque ele é feito e realizado por seres humanos. São eles que todos os dias vivem em meio a isto. Em meio a política e cotidiano, forma-se esta questão que conhecemos como questão palestina.

Nosso voo parte, nossa viagem que durou quase dois meses termina. Mas eles ficam. São israelenses e palestinos que ficarão por aqui. Eles continuarão a se encontrar nos postos de controle, nas prisões, nas incursões noturnas em busca de ativistas, em demonstrações, nos mercados, restaurantes, praias, no conflito armado que eles sempre esperam, que parece ser a aposta óbvia de tempos em tempos. Eles aqui falarão árabe ou hebraico. Deixamos esta terra para trás, mas levamos conosco um pedaço dela, uma parte envolta nas nossas próprias visões a respeito dela.

Este é o último post nos territórios, escrevo estas linhas de Jerusalém, a poucos metros do que se convencionou chamar de Linha Verde. Agora voltamos ao Brasil e tentaremos dar forma ao que vivemos por aqui. Um retrato das inúmeras barreiras que encontramos e continuam por aqui. As barreiras de concreto, que empunham armas ou algumas invisíveis, que se escondem no dia-a-dia deste lugar. O futebol não conseguirá derrubá-las, mas as deixa mais claras. E é isso que levamos e nada mais, a mistura do futebol e das barreiras.

sábado, 10 de julho de 2010

Adeus, Bil´in habibti

por Arturo Hartmann

Bil´in é uma vila conhecida em todo o mundo, pelo menos por aqueles que se interessam pelo conflito na Palestina. Ela acabou tornando-se o símbolo de muitas lutas, de muitas opressões. Ela foi um dos hotspots para o ativismo internacional na Palestina, é hoje o modelo que muitas outras vilas seguem quando querem montar suas demonstrações, com gritos, bandeiras e manifestações pacíficas.

A vila está nos arredores de Ramallah. Perdeu suas terras para o assentamento ilegal de Modi´in Illit e está no caminho da rodovia 443, em Território Palestino, mas proibida aos palestinos. Serve como caminho a Jerusalém e Tel Aviv para os colonos na Cisjordânia. Há seis anos, seus moradores levantaram-se dos escombros da Segunda Intifada e começaram a marchar pela via do que chamam de resistência pacífica. Após tentarem as armas na Segunda Intifada - um desastre, foram massacrados - voltaram-se às bandeiras e ideias bem-humoradas.

Através de um contato em Ramallah, conheci um dos moradores desta vila. Aqui, uma caminhada mostra a vida rural, rebanhos, criações de galinha e plantações. No mais, calmaria, um clima enfadonho, de tardes em que nada acontece, tardes que moradores de grandes cidades não conseguem apreciar.

No entanto, todas as sextas, há seis anos, parte dos moradores desta vila, acompanhados de estrangeiros (ou internacionais, como são conhecidos) e ativistas israelenses, marcham para encontrar o posto do exército israelense. Um encontro marcado, um baile de dança que inclui bombas de gás, de percussão, armas de contenção de manifestações. Toda sexta, os moradores acham um tema, o filme Avatar, a colheita das oliveiras, o início da Copa do Mundo ou o aniversário de cino anos da decisão da Corte Internacional de Justiça da ONU que decidiu pela ilegalidade do Muro que Israel levantava (era 2004) e agora está em parte terminado nos Territórios da Cisjordânia. Toda sexta lembram que tiveram algo tomado, que há algo aqui que chamam de ocupação.

Foi a última sexta para mim. Após noites de chá e narguilê e tardes de churrasco, dava adeus. Para eles, no entanto, as sextas não têm fim. Parece ser o destino desta vila marchar, bradar conquistas mas não ver o Muro andar um centímetro em direção à linha-verde, a fronteira de Israel com o que insistimos de chamar de Palestina.

chuva de pedras
foto: José Menezes

Na última sexta, os jovens ousaram. Pegaram pedras, estavam face a face com os soldados com o escudo, menos de dois metros os separavam. Ao longe, conseguíamos ouvir as pedras do chão da Palestina batendo contra o escudo do exército israelense. Mais uma ironia. O mundo deu voltas. A Primeira Intifada, o levante popular de uma população cansada - a OLP já não oferecia nada - e desarmada - por isso a Intifada das pedras - voltava como um clipe do passado. Não parecia realidade. Era um holograma. Na manifestação pacífica, que procura recolher os cacos após a destruição da Intifada das armas, voltávamos aos anos 80, quando Arafat estava vivo, quando Oslo era apenas a capital da Noruega e não de mais uma tragédia palestina e o Hamas nem sequer fazia parte da arena deste conflito.

garoto foge das bombas de gás em Bi'lin
foto: José Menezes

Muitos crimes estavam sendo cometidos naquela tarde em Bil´in. Os jovens da vila, aclamados e aplaudidos por estrangeiros que em alguns dias pegariam seus voos em Tel Aviv, não teriam uma noite tranquila. Jogar pedras é crime pela lei militar de Israel e missões do exército e do serviço secreto podem ocorrer na calada da noite. Meninos de 16 anos podem conhecer a cadeia cedo. Do outro lado, soldados defendiam um Muro considerado ilegal. Atrás de trincheiras de concreto, com seus uniformes sob o escaldante sol de verão, defendiam o assentamento que tinham às costas.

Em dias, parto desta terra, volto à nossa "democracia racial". Eles continuam com a "ocupação". Toda a sexta, a dança irá se repetir. Adeus, Bil´in.

O campo "Profissão", duas piadas

por Arturo Hartmann

No documento de autorização do uso da imagem, há um outro campo que diz "Profissão", em inglês, "Occupation". Após a entrevista que fizemos com Eitham, israelense de Tel Aviv, ele preencheu a ficha e ainda nos contou um caso e uma piada.

Contou-nos uma vez que estava indo para um país europeu, não se lembra com certeza, talvez a Bélgica, e recebeu um papel para declarar bens. "Nationality: israeli". "Occupation: Palestine". Risadas.

Viu que gostamos e achamos graça e continuou, disse que há uma outra piada corrente em Israel no mesmo estilo. O sujeito sai de Tel Aviv e vai passar férias na Ámerica do Sul. O oficial de imigração o recebe, pede para ver passaporte, documento e começa com as perguntas: "Nationality?". "Israeli". "Occupation?". "No, just vacation".

O bom-humor e a ocupação.

O campo "Nacionalidade"

por Arturo Hartmann

No documento de cessão de autorização de imagens que nossos entrevistados assinam, há um campo "Nacionalidade". Nos últimos dias, o preenchimento do papel rendeu boas histórias: piadas e perguntas sem respostas. Ontem estávamos em Bil´in - vila aos redores de Ramallah famosa por seus protestos pacíficos contra o assentamento de Modi´in Illit, que lhe tomam terra e "avançou" a linha verde - e fizemos a última entrevista com um de seus moradores. Olhou para o campo nacionalidade e lhe surgiu uma curiosidade.

Ele é fá confesso do jogador de Sh´farm, árabe que jogou por Israel, com o qual vimos a derrota do Brasil. Quis saber como ele declararia sua nacionalidade: "palestino que mora dentro de Israel", "palestino-israelense", "árabe que mora dentro de Israel". Conjecturas não faltaram. Nós não lembrávamos. E seguimos com as possibilidades: "israelense", "palestino de 48"...

Essa "nação" palestina terá dificuldades de incluir todos os seus cidadãos. Há os "palestinos de 48", os "palestinos palestinos da Cisjordânia e de Gaza", os "palestinos refugiados" do Líbano, da Jordânia e de outros países árabes, "os palestinos na diáspora", na América ou na Europa.

Não chegamos a conclusão alguma. Nosso entrevistado não teve dúvidas: "falastinya" (palestino). E, percebi, sim, é possível alguém escrever com orgulho.

sexta-feira, 9 de julho de 2010

O palestino azarado

Por Arturo Hartmann

Encontramos um personagem em Bethlehem, na verdade nos seus arredores, em Beit Sahour, que nos ajudará a discutir a identidade palestina dentro dos Territórios Ocupados. Ele trabalha numa iniciativa de luta conjunta entre israelenses e palestinos, o Centro de Mídia Alternativa. Gosta de falar de política, do conflito e é apaixonado por futebol.

Sua seleção caiu, ele estava com a Argentina. Na verdade, colecionou uma série de simpatias, e suas simpatias colecionaram uma série de derrotas. Torceu pela Itália, que caiu na primeira fase. Gostava do Brasil, eliminado desastrosamente pela Holanda. Sua grande paixão, o time de Maradona, levou uma surra dos alemães.

Encontrei-o em Bethlehem para ver a semi-final Alemanha X Espanha. Insisti, queria saber para quem torceria dessa vez. “Não vou torcer, depois da eliminação da Argentina, a Copa acabou para mim”. Mentira. Os cigarros e o nervosismo denunciaram. Ele torcia, mas ainda assim conseguia esconder sua prefer~encia. Fingia uma hora torcer para os espanhóis, ora parecia ter uma simpatia pelos alemães. O jogo termina, os palestinos todos comemoram com grande festa a vitória espanhola. Ele sai sem reação.

Andamos pela noite de Bethlehem. Tudo está em silêncio. Ele brinca. Diz que por aqui todos fecham mais cedo porque devem rezar logo pela manhã. De família muçulmana, parece ter um desdém pela crença que as religiões levantam por aqui. Pedir não tem ajudado muito os palestinos.

Mais alguns minutos de caminhada. Confessa. Torceu pela Alemanha. Mais um de seus times cai sem explicação. Ele dá risada, mas parece admitir ser pé-frio. “Tudo pelo que torcemos, as lutas na Jordânia (1970), no Líbano (1982), todas essas lutas os palestinos perderam”. E promete, o dia que Israel ir a uma Copa, será ferrenho torcedor. Muitas risadas. E ele completa, talvez devesse torcer pela ocupação. Mais risadas. O futebol amenizou o conflito. Pelo menos por algumas horas da noite.

Perdi em plena Beit Sahour

por Arturo Hartmann

O jogo Alemanha X Espanha assisti guiado pela emoção de ganhar uma aposta, mais do que o jantar já notório neste blog, o pequeno duelo com João Carlos Assumpção. O ganhador, eu sabia, ganharia algumas semanas para tirar sarro do outro.

Assistimos o jogo, dessa vez, em duas equipes. Uma delas -Tiago e José - foi a Tel Aviv. Eu estava com Lucas em Beit Sahour, uma cidade colada ao centro de Bethlehem, sul da Cisjordânia. Achávamos que com a eliminação de Brasil e Argentina, os ânimos se acalmariam. Que o ânimo pela Copa diminuiria. Estávamos errados. Os palestinos substituíram suas paixões pelo vício que tem pela liga espanhola, neste território dividido entre Real Madrid e Barcelona. A Espanha tem quase toda a torcida por aqui.

O restaurante da Associação Cristã estava cheia. Recebia um grupo de jovens palestinos que participava de um acampamento de verão para treinamentos de lideranças políticas. Estão preocupados com o futuro. O passado e presente são prova suficiente de que devem estar.

Jovens olhavam atentos para o telão. E os gritos não deixavam dúvidas: “Espania, Espania”. E torceram de fato, com gritos a cada chance e uma grande comemoração no gol de Puyol. Um italiano músico que dá oficinas por aqui puxou a festa com sanfona e pandeiros. A Espanha roubou a cena. Perguntaram de onde eu era. Dizer que sou brasileiro não tem mais o mesmo efeito, antes era motivo de admiração. Agora recebemos apenas um “o Brasil já foi para casa”, num tom de pena quase. Sim, o sarro no futebol também existe por aqui.

Não termino este post sem admitir minha derrota. A Alemanha cai e com ela meu palpite. Para a provável alegria de João Carlos Assumpção. Agora o duelo é Espanha X Holanda. Os economistas da empresa LCA e nosso amigo Francisco Pessoa contra João, o jornalista esportivo. Ah, e contra a cartomante de Akko. A sorte está lançada.

quarta-feira, 7 de julho de 2010

A bandeira de Israel

por João Carlos Assumpção

Desde a primeira Copa a que assiti, ainda como torcedor, a presença de uma bandeira de Israel entre a torcida brasileira me chamou a atenção. E isso foi em 1986.

Nas vezes em que voltei a acompanhar um Mundial in loco, daí como jornalista, lá estava ela.
Sempre me perguntei quem seria aquele cidadão (ou cidadã) a juntar a bandeira israelense às tantas verde-amarelas.

Na minha cabeça seria um judeu brasileiro que vai a todas as Copas torcer pelo Brasil, claro, e como superstição ou homenagem a Israel, que só disputou a Copa de 1970, resolveu levar a bandeira azul e branca misturando-a com a brasileira.

Não sei. Pode ser um israelense que não tem como torcer por Israel, que atualmente disputa as eliminatórias na Europa e não consegue classificação por não ter futebol bom o suficiente, e vai apoiar a seleção que escolheu: no caso, a brasileira.

Nesta Copa, que acompanhei pela TV, não vi nenhuma vez a bandeira de Israel. Cheguei a pensar: será que o cara morreu? Será que se desiludiu com o futebol? Ou será que não vi porque a TV não mostrou?

Não é que bem no final do jogo Brasil x Holanda, quando perdemos por 2 a 1, a bandeira israelense apareceu? Achei curioso. No final da Copa, pelo menos para o Brasil lá estava ela.
Quem sabe um dia esteja do lado da bandeira Palestina, por que não?

Mas acho que esse dia, lamentavelmente, está muito distante.

O que não está distante é o meu jantar, que será bancado pelos meus quatro amigos que comandam o documentário em Israel.

Afinal, desde o início, tinha dito que a campeã da Copa seria a Holanda. Na final, merecidamente, único time a ganhar todos os seus jogos, ela já está. Para o título, agora, falta só um jogo. E ela tem que ganhar, porque desde os anos 70 merece esse troféu. E domingo espero ver seus jogadores levantarem a taça. Vai ser uma experiência nova para eles e para mim. Afinal, acompanhar a final da Copa de um spa, fazendo hidroginástica de touca com os velhinhos, é uma experiência que nunca tive. Mas que deve ser bem divertida.

terça-feira, 6 de julho de 2010

E se...

por João Carlos Assumpção

No futebol como na vida muitas vezes nos perguntamos: como teria sido se aquela bola tivesse entrado?, se o juiz não marcasse aquele impedimento?, se eu tivesse ido ao cinema e não ao teatro?, tido coragem de falar com aquela garota?

O "e se" faz parte do jogo, mas há muito tempo eu deixei de me perguntar como teria sido se algo diferente tivesse ocorrido num jogo de futebol.

Na vida ainda me pergunto. Conheci uma garota linda em Jerusalém que trabalha numa churrascaria argentina. Não tive coragem de conversar com ela, não na frente dos meus amigos. Quando criei coragem, fui, sozinho, ver se conseguia abordá-la. Mas era sexta à noite, shabat, o restaurante era kosher e só abriria sábado às 20h30, quando eu já estaria no aeroporto Ben Gurion para voltar ao Brasil.

Voltei a São Paulo com o "e se" na cabeça. Decepcionado. Mas a vida é um eterno "e se". Por isso não adianta ficar lamentando, o melhor, muitas vezes, é agir. Porque, como já escreveu o inglês Ian McEwan "é assim que o curso de toda uma vida pode ser desviado _por simplesmente não se fazer nada".

Mas fico refletindo que ao mesmo tempo temos de ter muito cuidado ao fazer as coisas. Pois às vezes pecamos pelo excesso, por falar demais e isso também não é legal.

Quando comentava jogos de futebol, evitava criticar A ou B com muita força, lembrando que todos somos passíveis de erro. O juiz, coitado, temos que ter sempre em mente, como já disse um amigo meu, que a luz que chega à sua retina pode ser diferente da que chega aos olhos do comentarista, ainda mais com o auxílio da televisão e de toda a tecnologia disponível.

Na vida, porém, nem sempre sou comedido e acabo cometendo injustiças, especialmente com amigos. Por falar demais. Tenho que julgar menos, especialmente meu próprio comportamento, para me sentir mais livre e me libertar das amarras. Como bem falou o Casagrande, em vez de passar a vida corrigindo erros, chega o dia de mudar a estratégia. E para alterar a estratégia temos de observar, analisar o contexto, ouvir mais do que falar, pois somos senhores da palavra quando ela ainda não foi pronunciada, mas quando sai da nossa boca viramos escravos dela.

É por isso que vou ver a final da Copa num spa. Descansando e refletindo sobre tudo. Para voltar de lá com uma nova tática. Espero que dêem certo: o spa e a nova estratégia. E que a Alemanha não ganhe o Mundial, pois entre os quatro semifinalistas é a única que pode ser tetra e se aproximar das cinco conquistas do Brasil.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

E as cartas dizem...

por Arturo Hartmann

A Copa entra na sua fase final. Apenas quatro times continuam. E no estranhamento de uma Copa que já derrubou França, Itália, Inglaterra, Brasil e Argentina, ficaram a Alemanha - que busca entrar para o grupo de tetras -, o Uruguai, que quer voltar a glórias muito longínquas, a Espanha, que procura fazer jus ao seu apelido Fúria, e a Holanda - uma das seleções que foram injustiçadas na história das Copas. Tem uma equipe que está entre os países que não ganharam, mas encantaram, em 74.

Domingo fomos a Akko entrevistar Zokhir Bakhaloul, um jornalista esportivo palestino-israelense, um apaixonado por futebol. Todos os domingos ele apresenta em um shopping local um programa de rádio aberto à plateia. Ele gosta de falar sobre futebol, é grande admirador do Brasil. E gosta de falar de política, ele é parte de movimentos que lutam pela igualdade de direitos para os árabes dentro de Israel. Simpático e carismático, parece agradar a todos os israelenses, seja qual identidade tiver.

Os programas deste mês são dedicados à Copa, como não poderia deixar de ser. Ontem, como convidados, um comentarista apaixonado pelo Maccabi Haifa, um ex-jogador israelense judeu argentino e uma cartomante. Através da lógica do futebol ou do que diziam as cartas, palpites. Aqui muitos também gostam de adivinhar, de arriscar, de dizer que entendem de futebol. Provado, uma linguagem universal.

Assistimos ao programa. De fato, apenas vimos, pois não entendíamos nada do que era falado em hebraico. Minto. "Germania", "Holand", "Uruguai" e "Espania" era o que entendíamos. O teor do debate nos era estranho, mas os gestos e o tom, não. Sorriam, falavam uns com uns outros, ora com seriedade, ora como se brincassem um com o outro. Sim, estavam falando de futebol.

Após o programa, terminaríamos o bate-papo. Mas não aguentamos de curiosidade. "O que disse a cartomante?". Zokhir riu. Diz que a final será Alemanha e Holanda. E o campeão será... sim, se fará justiça histórica. Meu amigo João Carlos parece estar certo, o futebol e as cartas que contam o destino uniram-se e dão à Laranja Mecânica seu primeiro título. É, João, mas resistirei às previsões, não cederei. Continuo com meu palpite, apostei logo após a primeira rodada na Alemanha. Mas vou contra o especialista em futebol e os contadores do destino.

Celeste

Por João Carlos Assumpção

Se me perguntarem qual a final da Copa, eu respondo: Holanda x Alemanha. Quem vai ganhar? Também respondo: Holanda. Está se baseando em quê?, vocês podem perguntar. No meu feeling, respondo eu. Desde o começo da Copa aposto na Holanda, que já deveria ter sido campeã nos anos 70.

Mas o jogo mais esperado, para mim, é Uruguai x Holanda, não a final. Fui convidado, acreditem ou não, para assistir à partida em Montevidéu, pela prima de uma amiga minha. Fiquei contente com o telefonema que, no fundo, esperava há mais de dois anos. Há quase três, para ser sincero. Mas não vou ao Uruguai. Vou ver a final num spa, com um grande amigo meu, descansando e pensando no mundo. E na minha forma de viver, que exige de mim uma nova estratégia.

Desde a primeira partida da Copa, quando demonstrou aquela garra contra a França, segurando o empate por 0 a 0, pressenti que os uruguaios poderiam ir longe. E foram. Pena que quem eu gostaria que acompanhasse esta fase da Celeste não pode fazê-lo. Não faz mal. Quer dizer, faz mal, sim, muito mal. Só que, mesmo fazendo mal, a cada jogo que o Uruguai avança eu me sinto mais vivo. E sinto quem se foi mais vivo na minha alma.

Ganhe ou perca o Uruguai, o time está de parabéns. Jogadores como Forlán e Suarez já entraram para a história da Celeste. E honram não só o futebol uruguaio, como o sul-americano. Afinal agora é o único representante do nosso continente. Que chegou lá com um belo futebol e especialmente com muita gana. Gana de viver e vencer.

domingo, 4 de julho de 2010

O fim de um país chamado Futebol Brasileiro

por Arturo Hartmann

Na sexta, fomos ate Sh´farm, uma vila palestina no norte de Israel. Assistimos o jogo do Brasil contra a Holanda com um ex-jogador de futebol, árabe, que fez um sucesso enorme na década de 80. Jogou pelo Macabbi Haifa e pela seleção de Israel. Sim, ele é uma fonte interessante para discutir o tema de nosso documentário, o Futebol e as Barreiras, falar sobre o jogo de nacionalidades que aflora neste território. Durante duas horas conversamos sobre suas contradições.

Mas não vou falar dele. Vou falar sobre nós, o Brasil. E algo que nos carimba, algo que nos marca, algo que faz parte de nossa cultura, a linguagem do futebol. Apenas através dos olhos deste ex-jogador pude entender como o futebol é importante não apenas para nós brasileiros, mas para sermos brasileiros. Ouvimos durante toda a viagem, e isso já foi discutido aqui por Lucas, como amam nosso futebol e nosso estilo de jogo. Ou como jogávamos. Sim, o futebol é uma linguagem universal. Israelenses e palestinos perceberam que algo mudou em nossa forma de jogar. Talvez seja enfadonho e demorado explicar como o mercado e a politicagem da CBF destroi há décadas essa "linguagem" que eles também amam. Perceberam que perdemos algo no caminho das últimas décadas. Não sei se entenderiam teorizações sobre Parreira e Telê Santana, sobre como o futebol de resultados e nossa vitória em 1994 iniciou uma processo que relegou a arte ao passado. Hoje o rigor burocrático faz as regras de como olhamos para o futebol.

A sensação que ficou para todos naquela sala, brasileiros, palestinos ou israelense, foi a de que perdemos, sem qualquer explicação. Cedemos. Talvez demais. Em 1994, não ganhávamos e aceitamos as atitudes de Parreira. Ele ganhou, é fato, mas talvez esta tenha sido a maior tragédia para aqueles que ainda esperavam uma compensação aos times de Telê da década de 80. A vitória do resultado. Em 2006, éramos os campeões. Fez-se de tudo. Viramos um circo, não de futebol, mas de mercado. Novamente, por um outro caminho, não jogamos futebol. Então vieram as regras militares de Dunga, regras, inclusive em campo. Vale mais a lealdade do que o que o jogador faz com os pés. Ganhar ou perder faz parte, mas em décadas não sabemos mais o que é este país chamado Futebol Brasileiro.

O jogador, ao fim do jogo, tinha seus olhos marejados. Quase chorou em 2010. Disse ter chorado em 82. Lembrava de Zico e Sócrates. Como ex-jogador, atual técnico e um ex-ídolo, sofria conosco, talvez mais do que nós. Por um momento, ele deixava de ser um palestino de 48 ou um árabe-israelense, alguém que digladia por sua identidade dentro de Israel. Naqueles segundos, foi cidadão do país que desaparece diante de nossos olhos.

sexta-feira, 2 de julho de 2010

A lição

Por João Carlos Assumpção

Quem fez o comentário mais interessante após a derrota do Brasil foi o Casagrande. O comentarista da Globo disse algo do tipo: "Não adianta passar a vida corrigindo erros, tem hora que temos de pensar em mudar a tática." É isso mesmo. Isso serve pro futebol, serve pra mim e talvez sirva pra vocês.

Não doeu

Por João Carlos Assumpção

O Mundial, para mim, sempre foi o Brasil. Depois da derrota para a Holanda, perdeu o meu interesse. Mas o documentário continua, pois o documentário não é só sobre a seleção brasileira, é sobre a Copa vista em região de conflito. E para o documentário a Copa não só continua, como o conflito segue aí. E novas e novas histórias vão rolar.

O que acho curioso é que, apesar da derrota e do fim da Copa, pelo menos para mim, desta feita a eliminação brasileira não me machucou. Não doeu. Quando se é menor, a gente (ou pelo menos comigo acontecia isso) leva o futebol mais a sério. Com o passar do tempo, percebemos que há outras coisas na vida. E há coisas que doem mais do que uma derrota no futebol. Mesmo numa Copa do Mundo. Traição da namorada, por exemplo, falta de lealdade de um amigo, morte de um ente querido. Tudo bem, namoradas podemos encontrar outras, com os amigos podemos ser mais seletivos e escolhê-los melhor, pois se formos pensar bem e nos dar o devido valor merecemos mais e podemos exigir mais dos outros, sim, os entes que se vão continuam, de alguma forma, dentro da gente, mas também o Mundial acontece de quatro em quatro anos, Perdemos hoje, mas podemos ganhar lá na frente.

Para quem a derrota machucou, meus sentimentos. Mas o importante é que a vida segue. E neste sentido os religiosos judeus ortodoxos têm razão. Há, sim, coisas mais importantes do que o futebol. E perder faz parte do jogo, como faz parte da vida. O que interessa é, quando você cair, conseguir se levantar. E só aprende a levantar quem sofre uma queda. Ou às vezes duas, três, quatro...

E cá entre nós mantenho minha aposta feita no Arena Sportv e na CBN antes mesmo do início da Copa: meu favorito para o time continua sendo a Holanda. Pela história e pelo presente, ela merece o título e espero que consiga obtê-lo.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

“Você quer ver Israel?”

Por Arturo Hartmann

Dia sem jogo. De fato há um clima e espera pelas próximas fases da Copa. As fases finais. A cisão parece ficar clara e aumenta cada vez mais a divisão entre... Brasil e Argentina. O futebol chegará às suas mesas finais de negociação, se me permitem a brincadeira. Mas nosso trabalho continua, afinal viemos também olhar para as barreiras que existem neste lugar. E mais um dia parte da equipe passa em Hebron. Convencemo-nos de que este lugar é um dos centros que representa o que viemos retratar.

Mas os dias podem ficar enfadonhos. Mesmo a jornalistas que são obcecados pela notícia, em alguns momentos o cansaço vence a busca pela notícia. Mesmo em um lugar como este. Andávamos pelos corredores da cidade velha de Hebron, já início da noite. Os garotos jogavam bola, estão sem aulas, tempos de se divertir. Mesmo nesta parte chamada "cidade fantasma" de Hebron. É pavoroso como podemos nos acostumar como certas situações e aprendermos a nos mexer mesmo pela falta de liberdade.

Alguns meninos da cidade fantasma
foto: Lucas Justiniano


Um menino nos chama. Há dias ele quer nos mostrar algo. Sempre estamos ocupados com outra coisa. Sempre ignoramos seus pedidos. São crianças, por vezes nos encantam, mas por vezes as ignoramos. Era o fim do dia. Decido segui-lo. Ele repetia: “você quer ver Israel?”. No dia anterior, uma garota nos havia perguntado a mesma coisa. “Você quer ver Israel?”. Ambos seguem o mesmo ritual, nos levam até o teto de suas casas e apontam para a construção ao lado, para a rua abaixo. Ali é um assentamento israelense dentro da cidade de Hebron. Ali, é Israel.

As crianças têm um senso de realidade enorme, não tem malícia para mentir. Nem mesmo para si. Aquela frase daria calafrios ao mais nacionalista dos palestinos. Podemos chamar aquela terra de qualquer coisa, de Territórios Ocupados, de assentamentos, de Palestina ocupada, mas a realidade é uma só, algo que só a dureza do dia-a-dia que destrói sonhos ou a inocência de quem pouco entende as coisas pode revelar ou manifestar. Sim, aquilo, no final do dia, é Israel.

O garoto mostra pedras que os colonos jogam, pede que tiremos fotos. Com certeza foi algo que aprendeu com a família, chamar estrangeiros e mostrar a ocupação. Acho difícil acreditar que ele saiba que lá fora há uma comunidade internacional que possa ajudá-lo. Mas não subestime os palestinos, eles envelhecem muito rápido. Aprendem rápido a vida que há décadas levam. Estar aqui é ter a chance de ver absurdos como o de Hebron, da arquitetura deste conflito. Somos estrangeiros que ficaremos por pouco tempo, não podem perder a chance de nos explicar o inexplicável. “Você quer ver Israel?”

quarta-feira, 30 de junho de 2010

Sobre limpezas e lavadas

por Tiago Lafer

Até este momento não escrevi para o blog; não me senti apto para tanto. Mas já que a polêmica da limpeza étnica está pegando resolvi deixar de lado a inibição e postar um comentário.

Quando comediantes de stand up querem umas risadas fáceis eles apelam para o recurso do xingamento. Não raro, depois de uma piada mal assimilada, eles soltam um “what the fuck?!” e a plateia como um bando de robôs soltam uma gargalhada. Faz parte do contrato entre piadista e público: a identificação fácil com quem está no púlpito para que as outras piadas , as boas, nåo sejam anódinas. Reza a lenda que "Fuck" seria uma sigla medieval para “Fornication Under the Consentment of the King”. Nenhum comediante coloca o xingamento dessa forma; não teria o mesmo impacto. O termo “limpeza étnica” tem o mesmo efeito. Ninguém pensa na definição fornecida pela ONU. Todos pensam em genocídio e faz parte do contrato entre ideólogo e plateia que essa confusão seja omitida em nome da causa. Dito isso, o nosso Arturo tem o mérito de livrar-nos de qualquer confusão: definiu perfeitamente o uso do termo “limpeza étnica” ao qual subscreve.

Agora falemos de futebol. O Paraguai eliminou o Japåo nos pênaltis e a Espanha eliminou Portugal por 1X0: nada comparável a lavada que o Brasil deu no Chile, que a Alemanha deu na Inglaterra e que a Argentina deu no México. Essas lavadas encheram os olhos! E dão esperança que as quartas serão mais equilibradas e disputadas.

Para os interessados em opiniões mais competentes que a minha sobre política e Israel fica o link de um professor meu: http://blog.franklingoldgrub.com/category/oriente-medio/page/2/

terça-feira, 29 de junho de 2010

Meu amigo holandês

Por João Carlos Assumpção

Sexta é dia de Brasil x Holanda. E como é meu costume, em vez de enfocar o macro, a análise das duas equipes e o que o jogo representa para cada uma, prefiro ficar no micro.

Admito que sou fã do futebol holandês, que revolucionou o futebol mundial com seu carrossel, quando acabou vice em 1974, perdendo a final para a Alemanha. Quatro anos depois, novamente vice, desta feita para a Argentina. Em 1994 - e é aí que vou para o micro -, acompanhei com quatro amigos brasileiros e um holandês, in loco, nos Estados Unidos, as quartas-de-final contra a Holanda. Conhecemos nosso amigo holandês, que viajava sozinho, num hotel simples de beira da estrada. Conversamos muito com ele e construímos uma bela amizade. No dia do jogo, nós o levamos até o estádio. Um aperto no carro, cinco amigos de verde-amarelo, um de laranja e com o rosto todo pintado das cores da Holanda.

Separamo-nos durante o jogo e no final voltamos a nos reunir no estacionamento, nós cinco eufóricos, ele, cabisbaixo. No carro pouco falamos de futebol, respeitando a dor de nosso novo amigo que no dia seguinte voltaria para casa.
Dois anos depois voltaria a vê-lo. Fui visitá-lo em Gouda, um lindo vilarejo onde morava na Holanda. Foi me apanhar na estação ferroviária, passou o final de semana em minha função e na segunda-feira, quando voltei a Amsterdam, ele se apresentou ao Exército. Fazia parte das tropas de paz que iam monitorar algum canto da ex-Iugoslávia. Um dia me mandou uma foto de lá, vestido de soldado.

Em 1998, na França, quando o Brasil voltou a vencer os holandeses, agora nos pênaltis, ele não apareceu. Ainda nos falamos por telefone, mas seu pai estava muito doente. Quase dois anos depois, quando retornei à Europa, tentei procurá-lo, mas em vão. A família havia se mudado e nunca mais soube deles. Sempre que a Holanda joga penso no Pascal, um rapaz do bem, com quem conversei tanto naquele final de semana em Gouda e o presenteei com uma camisa do Corinthians, outra do Flamengo. Espero que esteja vivo e bem, embora não tenha muita esperança de revê-lo. Foram várias as tentativas, todas infrutíferas, de reencontrá-lo.

Em geral torço pelo futebol holandês, minha aposta inicial para ganhar essa Copa. Mas não na sexta. Sexta, apesar do meu amigo, jamais conseguiria deixar de ser Brasil. E acho que temos time para vencer. E vencer bem. Se vamos conseguir ou não, são outros 500. Mas que estou confiante, cá entre nós, estou.

Sobre limpeza étnica e Gaza

por Arturo Hartmann

Escrevo este post saindo um pouco da linha que adotava para o blog, dando mais destaque às impressões, mais do que qualquer coisa. Mas acho o debate saudável. Um dos termos que usei aqui e alimentou certa polêmica foi "limpeza étnica". O leitor Fábio Cohen e meu colega, e acima de tudo amigo, João Carlos Assumpção, discordaram, com todo o direto, de seu uso. Mas como ainda acredito que ele pode ter sido mal interepretado, colocarei abaixo alguns trechos da introdução que Illan Pappè faz em seu livro "Ethnic Cleansing of Palestine". Meu objetivo é deixar claro que o termo não está baseado em achismos ou em um discurso simplesmente político. É um estudo de História, baseado em uma linha de pesquisa, por mais que se possa discordar dela. Além disso, jogar o termo sem lhe dar seu significado pode dar espaço para imaginar coisas que ele não é.

Como todo estudo de História, ele está sujeito a debate. Não acho que o livro de Pappè deve ser visto como uma biblía, inatacável. Nem que seja perfeito, eu mesmo tenho críticas a ele. Com certeza contém partes que podem ser objetos de críticas, enfim, o desenvolvimento dos estudos históricos têm sua própria escola, suas metodologias, seu espaço de debate. Mas o mérito da obra de Pappè, acredito eu, está exatamente no fato de lançar uma nova luz sobre eventos que sempre tiveram o carimbo oficial da versão israelense, dos heróis da Independência.

Antes dos trechos, um segundo esclarecimento quanto à posição colocada por João sobre o Hamas. Acredito que seja simplificar demais a questão dizer que o Hamas "sequestrou" a população palestina de Gaza. Não quero me estender muito sobre a questão, afinal de fato é complexa, mas o Hamas foi eleito em eleições que, em minha opinião, são completamente sem pé nem cabeça (para a Autoridade Nacional Palestina), pois este é um governo que não governa absolutamente nada, a não ser questões civis dentro das cidades palestinas. O controle da população palestina continua, em primeiro lugar, nas mãos de Israel. Por isso dizemos que a Palestina está ocupada. Mas de qualquer jeito, seu resultado foi legítimo.

Dizendo isso, chegamos a 2006, quando o Hamas, contra todos os prognósticos foi eleito, em eleições aprovadas por observadores internacionais. Um voto de protesto da população palestina devido ao fracasso de Oslo e de Camp David, um recado contra a corrupção do Fatah. A escolha por negociações que não levaram a nada foi punida com a vitória rival. Todas as escolhas feitas pelo Hamas podem ser questionadas, inclusive pode se acusar o movimento de covardes ações terroristas. Mas tachá-lo em primeiro lugar como um movimento terrorista, ainda mais quando ele faz parte de algo maior, a questão palestina, distorce a realidade. O argumento, como é geralmente utilizado, de que o Hamas é terrorista ou de que sequestrou a população palestina, parece eximir Israel de suas ações. Movimentos pró-Palestina, por exemplo, rebatem e acusam o governo de Israel de terrorista e, sob a visão exposta, poderíamos inclusive dizer que o governo israelense sequestrou sua população, que é vítima de massa de manobra de políticos, como colocou João. Apenas para exagerar o argumento, podemos dizer isso sobre o Estado brasileiro.

No quadro de análise geral, e levando em conta as culpas do Hamas, Israel não pode ser isentado de suas ações. Por exemplo, do bloqueio que realiza desde a eleição do Hamas e dos ataques criminosos que levou adiante em 2009. Novamente, esclareço, o termo "criminoso" aqui colocado não foi inventado por mim, mas faz parte de um documento produzido por Richard Goldstone, observador e relator da ONU, que declarou que tanto o Hamas como Israel cometeram crimes de guerra. (http://www2.ohchr.org/english/bodies/hrcouncil/docs/12session/A-HRC-12-48.pdf). Trecho: "Estatísticas sobre palestinos que perderam suas vidas durante as operações militares variam. Baseado num campo extenso de pesquisa, o número total de pessoas mortas está entre 1387 e 1417. As autoridades de Gaza reportam 1444 fatalidades. O governo de Israel provê um número de 1166. As informações providas por fontes não governamentais na porcentagem de civis entre aqueles mortos são geralmente consistentes e levantam sérias preocupações sobre o caminho que Israel conduziu em suas operações militares. (...) De acordo com o governo de Israel, durante as operações militares, houveram quatro fatalidades israelenses no sul de Israel, dos quais três civis e um soldado. Eles foram mortos por foguetes e ataques de morteiros por grupos armados palestinos. Em adição, nove soldados israelenses foram mortos durante as lutas dentro da Faixa de Gaza, quatro deles resultado de fogo amigo". Mais uma vez peço que não confiem no meu resumo e leiam o relatório, disponível na íntegra no link que segue. Lá todos os detalhes de crimes feitos por Israel e pelo Hamas. Endosso a indicação de livro de João Carlos, mas dou outra, "Hamas: from resistance to government?", de Paola Caridi. Não acho o micro desimportante, mas o macro nos situa, nos ajuda a não cair em erros, a entender o cenário no qual os indivíduos se movimentam. Fica a dica de leitura de ambos para os que se interessam pela questão.

Agora, alguns trechos, poucos, prometo, do capítulo 1 do livro "Ethnic Cleansing of Palestine", de Illan Pappè. É apenas uma forma de introduzir conceitos mais concretos sobre a obra. São escolhas minhas e a tradução livre é feita por mim, já que o livro ainda não ganhou edição brasileira.

:
"Limpeza étnica é hoje um conceito bem-definido. De uma abstração associada quase que exclusivamente aos eventos na ex-Iugoslávia, 'limpeza étnica' veio a ser definido como crimes contra a humanidade, punido por leis internacionais. (p. 1)

(...)
A enciclopédia Hutchinson define limpeza étnica como a expulsão por força com o objetivo de homogeneizar população etnicamente mista de uma região particular ou território. O propósito de expulsão é causar a evacuação do maior número de residentes possíveis, por todos os meios possíveis ao expulsante, incluindo meios não-violentos, como aconteceu com os muçulmanos na Croácia, expulsos depois do Acordo de Dayton em novembro de 1995.

Essa definição é também aceita pelo Departamento de Estado do Estados Unidos. Seus especialistas adicionaram que parte da essência da limpeza étnica é a erradicação, por todos os meios possíveis, da história de uma região. (...) O resultado final de tal ato é a criação de um problema de refugiados. O Departamento de Estado observou em particular o que aconteceu ao redor de maio de 1999 na cidade de Peck no oeste de Kosovo. (p. 2)

(...)
Quando nos voltamos à ONU, achamos o emprego de uma definição similar. A organização discutiu seriamente a questão em 1993. O Acnur (Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados) da ONU liga o desejo de um Estado ou de um Regime de impor um domínio étnico sobre uma área mista - como foi feito na Grande Sérvia - com atos de expulsão e outros meios violentos. O relatório que a Acnur publicou define atos de limpeza étnica incluindo 'separação de homens e mulheres, explosão de casas' e, subsequentemente, a repopulação das casas que permanecem com um outro grupo étnico. Em alguns lugares de Kosovo, o relatório nota, as milícias muçulmanas resistiram, e onde a resistência incomodou, a expulsão levou a massacres.

O plano D de Israel, mencionado no prefácio, contém um repertório de metódos de limpeza que um a um encaixam-se nas formas que a ONU descreve na sua definição de limpeza étnica, e foi a base para os massacres que acompanharam a expulsão massiva. (p. 2)

(...)
No entanto, devo adicionar, que devemos pensar em aplicar - para que a paz tenha chance - uma regra de obsolescência neste caso, mas sob uma condição: que uma solução política normalmente considerada como essencial tanto pelos EUA como pela ONU seja imposta aqui, o retorno incondicional dos refugiados a suas casas. Os EUA apoiaram tal decisão da ONU para a Palestina, a de 11 de dezembro de 1948 (Resolução 194), por um curto tempo (1949). (p. 7)

(...)
Uma segunda, e mais desprezerosa tarefa, foi a reconstrução dos métodos que Israel usou para a execução de seu plano master para a expulsão e destruição, e examinar como e em que extensão estão tipicamente afiliados com atos de limpeza étnica. Como disse antes, se jamais tivéssemos ouvido sobre os eventos na antiga Iugoslávia, mas tivéssemos conhecimento apenas do caso da Palestina, seríamos perdoados por achar que as definições dos Estados Unidos e da ONU foram inspiradas pela nakba, até o seu mais específico detalhe. (p. 9)

(...)
Mas, para além de números, é o grande abismo entre realidade e representação que é o mais incompreensível no caso da Palestina. É realmente difícil de entender, e, para além disso, explicar, porque o crime que foi perpetrado nos tempos modernos e numa junção da história que pedia repórteres estrangeiros e observadores da ONU presentes, fosse completamente ignorado. E, ainda, não há como negar que a limpeza étnica de 1948 foi erradicada quase completamente da memória global coletiva e apagada da consciência mundial. (...) Imagine agora a possibilidade de este fato jamais chegar aos livros de história e que todos os esforços diplomáticos para resolver o conflito que romperam neste país deixem de lado, senão ignorem, este catástrofico evento. (p. 9)

De novo, o sul de Tel Aviv

Por Arturo Hartmann

Fomos no último sábado ao sul de Tel Aviv novamente. Este segundo contato com a comunidade que se aglomera neste bolsão de pobreza apenas confirmou a primeira impressão que tivemos: aqui há um mundo onde o silêncio é a melhor forma de se proteger. Jornalistas e suas perguntas não são bem-vindos. Eles vivem entre governos africanos dos quais tiveram que fugir, que os expulsaram de sua terra e no território israelense que não garante muito uma situação estável. O sul de Tel Aviv de fato virou um bolsão de negócios não exatamente legais.

Sentamos em um café, em um dos poucos restaurantes que nos acolheram com certa simpatia. Usualmente são os russos que nos impedem de filmar, ou são grossos com clientes, especialmente os novos estrangeiros. Era um restaurante de sudaneses e eles fizeram questão de que víssemos o jogo Gana X Estados Unidos com eles. Sentei com um cliente, falava um bom inglês. Não queria dar entrevistas. As histórias de Darfur são tristes. Ele disse que as pessoas de Darfur não gostam de dar entrevistas, querem se proteger do governo que deixaram para trás. Ele me diz que está sozinho em Israel, que sua família foi morta. Como a dele, muitas histórias são assim.

O dono de bar, no entanto, não tinha o canal que iria passar o jogo. Ele nos guia até o bar de um eritreu, outro dos grupos de refugiados que estão por aqui. Mas quem de fato torcia eram ganeses. Um deles olha para mim no meio do primeiro tempo e grita: “This is Africa, this is not America”. Sentiam orgulho por ver seus compatriotas enquanto lutam por uma vida por aqui. Encontramos um sudanês e um eritreu que podem nos esclarecer um pouco da situação da comunidade que se aglomerou na parte sul da capital israelense. Mas ainda nada garantido. Tudo pode mudar na vida dessas pessoas.

No final da partida, já na prorrogação, quando Gana estava um gol à frente, quando parecia que os africanos de fato passariam a próxima fase, eles comemoravam. Um deles me disse: “Obama está conosco”. De fato, as nacionalidades se misturam. Adaptam-se aos olhos, à interpretação, ao sentimento. Estar longe de casa – no caso destes africanos - ou perto de um conflito – como palestinos e israelenses - nos acomete de paixões. Estar perto da pobreza, somos brasileiros e sabemos, também. Bill Clinton, já nos minutos finais, aparece no telão. Um ganês não se contém: “Go home!”.

segunda-feira, 28 de junho de 2010

"Na praia"

Por João Carlos Assumpção

Sei que segunda é jogo do Brasil e só vai se falar nisso. É justamente por este motivo que vou mudar de assunto.

Vou falar de literatura. Ou melhor, de política. Ou de conflito. Um dos livros mais vendidos em Israel é "Son of Hamas", de Mosab Hassan Yousef, escrito com o jornalista Ron Brackin. Encontra-se em português, com o título "Filho do Hamas - Um relato impressionante sobre terrorismo, intrigas políticas e escolhas impensáveis".

Não é muito bem escrito, não, e tenho uma série enorme de críticas à obra. Mas vale ler, pois conta histórias... impensáveis. Que até parecem mentira. Mostram o relato de um dos filhos de um dos fundadores do Hamas, organização terrorista palestina, sendo que o rapaz acabou colaborando com o serviço secreto israelense.

Ele trocou o islamismo pelo cristianismo, talvez seis por meia dúzia, o que me deixa com um pé atrás. Fala muito em Deus, eu prefiro falar nos homens e mulheres. Mas, enfim, mostra a corrupção de Yasser Arafat, os bastidores do serviço secreto israelense, das organizações palestinas, é um livro que dá para terminar em dois dias.

O que mais me chama a atenção é como um povo pode - e acaba sendo - massa de manobra de seus políticos. Isso acontece com os palestinos, que tiveram Gaza sequestrada pelo Hamas.

Podem discordar de mim, mas é o que acho.

É tão difícil opinar, pois nós, do mundo ocidental, temos enormes dificuldades de entender as complexidades que envolvem essa região do Oriente Médio. Sou, portanto, reconheço, um mero aprendiz.

Recomendo outros dois livros, muito mais bem escritos, que não são ligados ao Oriente Médio, mas sim às questões humanas. Um dele é o "Na Praia", de Ian McEwan, um mestre da escrita, que mostra o que o não-dito pode representar numa relação entre duas pessoas. Outro é "Adeus, China - O último bailarino de Mao", de Li Cunxin. Um livro humano que demonstra o mau que Mao (parece um trocadilho, sei lá) fez à China. Muito mais bem escrito que "Filho do Hamas".

De qualquer forma, continuo pensando no micro, não no macro. Sábado à noite fui tomar uma cachaça (quer dizer, eu fiquei no chope, ele na cachaça) na Vila Madalena com um grande amigo que fiz em Tel Aviv e que está passando férias no Brasil. Um primo distante. Gente boa pacas. Um cara sionista, que não concorda com termos como limpeza étnica, assim como eu não concordo, que diz que muitos usam o termo limpeza demográfica, que está buscando suas raízes judaicas e com quem adorei conversar. Um amigo. Não importa a ideologia. Importa a pessoa. E ele é um cara do bem. Lembrou que "somos apenas 13 milhões no mundo". Por que incomodamos tanto? Já estou falando no plural, incluindo-me na contagem, como ele me incluiu, mas sigo pensando, como ele pensa, que temos que levar os direitos dos palestinos em conta, assim como os palestinos têm de levar os israelenses e os judeus em conta para chegarmos à paz.

Temos mesmo. Ele acredita na paz, num futuro não tão distante assim. É um otimista. Eu já sou mais cético... E viva o Brasil! Que melhore contra o Chile e passe às quartas-de-final.

sexta-feira, 25 de junho de 2010

Mais um dia em Hebron*

por Arturo Hartmann

*atualizado às 20h36

Esta cidade marcou minha primeira passagem por Israel/Palestina. Hebron é o absurdo, o cotidiano da ocupação. A equipe conversava com um palestino dono de loja dentro de H2, a parte da cidade controlada pelos israelenses e onde vivem os colonos. Ele está na encruzilhada que marca a ocupação de Hebron.

Observamos então um movimento anormal. Muitos coletes "Press" desciam a esplanada que separa a entrada da Mesquita de Abraão da rua Shuhada. Mudavam o dia-a-dia daquela parte silenciosa, deserta, fanstasma da cidade. Ali, apenas os judeus israelenses podem circular livremente. E os ocasionais estrangeiros.


membros do Knesset andam pelas ruas de Hebron
foto: José Menezes

Sabemos então que um grupo de 4 memebros árabes (os árabe-israelenses, ou os palestinos de 48, depende a quem se pergunta) do Knesset israelense irão caminhar pela rua Shuhada guiados por membros do Breaking the Silence, uma organização de ex-soldados que reportam os abusos do exército israelense na ocupação de Hebron. (*correção: os 4 membros do Knesset que caminharam pela rua Shuhada eram todos do partido Hadash de Israel, o partido comunista. 3 destes membros eram árabes e um deles era judeu). Eles apontavam para as lojas trancadas, as estrelas de David pichadas onde antes era a morada e o sustento de palestinos.

O conjunto todo protestava contra uma decisão da polícia de Hebron - a israelense - de que agora nem mesmo os árabe-israelenses - que são teoricamente cidadãos de Israel - podem caminhar por esta rua desde 1994, fechada após o massacre Goldstein na mesquita de Abraão. Como deputados, não poderiam ser barrados pela polícia, ganham imunidade.

Mas o conjunto de deputados e ex-soldados não caminhava sozinho. Os moradores decidiram protestar. Os colonos bradavam gritos Um alto-falante portátil, um microfone e algumas ideias religiosas. Para eles, não há abusos na força policial e militar que permite o cotidiano de cerca de 500 colonos. Em meio a uma cidade dentro do que em geral é aceito como Território Palestino. A manutenção da ocupação é legítima para eles, é dever do Estado que lhes concede subsídios para viver fora de Israel.

judeu ortodoxo morador de Hebron confronta
judeu israelense membro do Breaking the Silence
foto: Lucas Justiniano

"Terroristas", "Voltem para o Marmara", dizem aos palestinos. "Traidores", "A mãe de vocês....", gritam aos israelenses do Breaking the Silence. Nossa equipe também recebe alguns "elogios". Um garoto grita para José de Menezes: "Você é merda, cheira a merda, veio da merda".

judeu grita sarcasticamente "Shalom"
foto: José Menezes

Mas um dos colonos foi símbolo do que se observa por aqui. Ele gritava "Shalom", num tom jocoso. Um tom jocoso que deve ser universal. Eu o observava. Ele tomou a atitude menos cínica possível. Zombou da paz. Este parece ser um hábito comum por aqui, zombar da paz, seja nas altas esferas de governo ou em uma caminhada rotineira pelas ruas fechadas a palestinos de Hebron.

Welcome, welcome, gritam os garotos palestinos quando voltamos ao mercado da cidade velha. Eles vendem as pulseiras com o desenho da bandeira palestina que Oslo permitiu que tremulasse em alguns pontos da Cisjordânia e Gaza. Na esteira, veio o Acordo de Hebron, que desenhou esta arquitetura de segregação. Welcome, welcome. Bem-vindos à Hebron.

Diálogos Brasil-Argentina em Askar

por Arturo Hartmann

Não sei uma palavra de árabe. Pelo menos não o suficiente para travar um diálogo. Mas enquanto andávamos pelo campo de refugiados de Askar, o futebol proporcionou assunto, ele foi a linguagem universal.

As crianças aglomeravam-se ao nosso redor, curiosas com as câmeras. Os velhos nos davam apenas o respeitoso "Sallam alleykum". As crianças queriam conversar, era mais provocação do que qualquer coisa. A apresentação comum não era pelo nome, queriam saber para que time torcia. O padrão era apontar para quem se queria conhecer e perguntar: "Brasil ou Argentina?". O diálogo virava então uma profusão de "Kakás", "Messis" e "Cristiano Ronaldos" acompanhados de mãos que imitavam uma balança. Quem valia mais?

Um garoto dentro da Associação de Askar jogava dominó, mas queria brincar comigo. Falou algo em árabe e estendeu a mão. Não hesitei: "Brasil ou Argentina?". "Argentina". Retirei a mão e recusei o comprimento. Todos na sala riram.

Nossa rivalidade cruzou o mundo. E me deu assunto para mais de hora com as crianças palestinas do campo de refugiados de Askar.

quinta-feira, 24 de junho de 2010

O time do campo

por Arturo Hartmann

Voltamos a Terrritório Palestino, a Cisjordânia. A pequena ausência de relatos se deve ao trabalho cansativo dos últimos dias. Mas escrever e relatar o que vemos e sentimos neste blog faz parte do trabalho.

Nesta volta, nossa primeira parada foi a cidade de Nablus, mais especificamente Askar, um campo de refugiados em seus arredores. Famílias de palestinos que viviam no que chamam de território de 48, ou no que nós conhecemos por Israel. Foram expulsos naquilo que as versões da história podem dar como a guerra dos árabes contra Israel, para sua total destruição, ou a limpeza étnica que as forças judaicas realizaram contra os palestinos, para a construção do Estado judeu.

Dois dias antes conversamos com um palestino de Jaffa, um árabe-israelense. Ele vive em um lugar para quais muitas das pessoas que encontramos em Askar sonham voltar. No campo de refugiados, encontramos um jogador estrangeiro, sul-americano, que joga pelo campo de Askar. Sua história começou na Espanha, mas então recebeu uma oferta do futebol de Israel. Ali ficou cerca de 7 meses, mas o time todo foi desfeito após uma temporada que não agradou ao dono. Acabou na Palestina. Fez questão de entrar na aventura de jogar na terra do conflito porque almejava um país árabe rico. Queria os milhões do Golfo. Como muitos.

A história se assemelha muito com tantas outras do mundo do futebol que ouvimos no Brasil. Até certo ponto. Isso se não fossem as bandeiras da ONU e as placas de Agência para os Refugiados Palestinos (Unrwa) em todas as escolas. Se não fosse pelo desespero de sua mãe ao saber para onde o filho ia. Pela preocupação de estar indo para a terra onde Gaza estava sendo atacada. Ao seu redor, no lugar onde mora, os postos de controle do exército israelense. E dando vista do telhado da casa onde mora no campo, o assentamento de Elon Moreh.

Sua aventura futebolística o levou à terra de conflito. Impressionou-se com as histórias que ouviu dos palestinos sobre soldados que atiravam de pontos altos, para baixo. As pessoas não podiam sair de casa. Era o toque de recolher da Segunda Intifada. Nablus, consenso, na Cisjordânia, foi a cidade que mais sofreu, foi ela que centralizou o levante. A pobreza e precariedade de estrutura de Askar, no entanto, lembraria seu país. Lembraria o nosso Brasil.

Concorrência desleal

Por João Carlos Assumpção

Quando estava indo ao aeroporto Ben Gurion para voltar ao Brasil, fiquei muito aborrecido com uma situação que fez com que eu parasse para pensar. Até consultei e depois desabafei com o Arturo. Reservei um motorista de táxi num hotel que costumava frequentar, na antevéspera e na véspera liguei várias vezes para ele, deixei mensagem, nada.
Pedi outro para o hotel. Chamaram um novo, que inclusive, para minha surpresa, cobraria menos do que o primeiro, mesmo sendo shabat (dia de descanso judaico onde praticamente nada funciona em Jerusalém).

Enquanto o motorista que não respondia minhas ligações havia passado o preço de 320 shekels (a moeda israelense), cerca de 160 reais, o segundo pediu 265 shekels.
Quando já havia acertado com o novo motorista, não é que o primeiro me liga? E me diz: "Com o condutor que te indicaram, você não chega ao aeroporto. Ele é árabe e não vai passar pelos postos de controle. Você tem que viajar com um motorista judeu." Era mentira.

Fui averiguar e se o motorista, seja ele árabe, judeu, o que for, estiver com um táxi credenciado, pode passar pelos postos de controle, sim. Fiquei irritado, disse que se ficasse no posto de controle o problema era meu, embora soubesse que não havia risco disso, e que faria o trajeto com o motorista árabe, indicado pelo hotel.

Não é que no dia seguinte o motorista árabe não estava se sentindo bem e indicou um amigo para me levar ao Ben Gurion? Fui com ele, que era judeu e me cobrou os 265 shekels combinados, e que confirmou que o primeiro motorista era, o que chamaríamos no Brasil, um canalha. Pois tentou assustar um estrangeiro, que não vive em Israel e estava apenas começando a conhecer a realidade do país, para passar um colega para trás. E usando a questão política-religiosa da região. De maneira mentirosa.

Mas picaretas há em todos lugares. Em Israel, no Brasil, na Europa, na África... Como há gente bacana, caso deste motorista árabe, que passou a corrida para um amigo (judeu) e deste motorista judeu que me levou ao aeroporto e se mostrou gente finíssima.

Brasil x Costa do Marfim

foto: José Menezes


Brasil x Costa do Marfim em Nablus, maior cidade da Cisjordânia. O jogo foi projetado em praça pública - com os prédios ao fundo - para milhares de pessoas. A torcida era 100% brasileira.

Gentileza gera...

por João Carlos Assumpção

Quando estava em Jerusalém, o Arturo, o Lucas e o Zé (Teles de Menezes) estavam nos territórios palestinos. Depois de algumas cervejas, liguei contente para um deles, imagino que tenha sido para o Lucas, já nem me lembro mais, não me perguntem meu teor alcoólico, por favor. Mas sei que em algum momento conversei com o Zé, que me disse que o pessoal onde eles estavam, os palestinos, digo, são muito bacanas, gente fina pacas, e que estavam recebendo o grupo muito bem, mas muito bem mesmo.

Daí eu respondi que o daqui (de Jerusa, como o Lucas chama Jerusalém) também. Cheguei sozinho, fui muito bem tratado e logo me enturmei com o pessoal. Falar que você é brasileiro abre, neste canto do mundo, várias portas.

E pensei no micro. Olhando os indivíduos, você encontra pessoas muito legais dos dois lados. Como encontra canalhas também. Isso é no mundo inteiro.

Minha impressão de Israel, impressão de alguém que fazia 21 anos não pisava na Terra Santa, mudou. Achei o povo muito mais simpático do que da outra vez. Ou talvez eu tenha mudado, não sei. Gentileza atrai gentileza.

Por falar em gentileza, não posso deixar de citar o vexame do técnico francês, que foi extremamente grosso com o Parreira. Para mim o pior time da Copa, inclusive pelo comportamento fora do campo, não foi a Coreia do Norte, como muitos estão dizendo. Foi a França, um fiasco total. Nem deveria ter ido à África para fazer o papel ridículo que fez. A Irlanda certamente representaria melhor o continente europeu.

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Vida e morte

Por João Carlos Assumpção

Fui jantar com um dos meus grandes amigos, um jornalista que conheci em 1995, quando eu estava na Folha e ele, no Jornal da Tarde. Ficamos amigos no ano em que o primeiro filho dele nasceu. Tive o prazer de acompanhar o crescimento do garoto, que hoje está com 15 anos e joga basquete na Hebraica, como militante - não, não é judeu.

No jantar, pude constatar não só como o menino cresceu, mas principalmente como se tornou uma pessoa decente, íntegra, com valores. Ele disse que é ateu, criticou todas as religiões e completou dizendo que temos de fazer o bem porque é legal ajudar os outros, não porque desejamos ir pro céu, já que não acredita nele nem no inferno. O inferno, como ele mesmo disse, para muitos é aqui.

Vendo o garoto, agora já um rapaz, pensei nas pessoas que encontrei em Israel. Numa, em especial. Estava num pub com um grupo de cerca de dez israelenses, quando um soldado, que estava na mesa, disse que já havia matado duas pessoas. E contou com prazer. Outro comentou que o mundo sem os árabes seria melhor. Não sei se era verdade o que o primeiro me contou, mas fiquei espantado. Tentei entender a realidade deles, que é completamente diferente da nossa. Só que não consegui.

Prefiro pensar em outra realidade, na de um amigo dinamarquês com quem falei por telefone logo após a estreia da Dinamarca, derrota para a Holanda por 2 a 0. Perguntei se havia acompanhado o jogo, respondeu que só até o 1 a 0, pois estava atendendo um paciente terminal - é psicólogo e trabalha com doentes que têm expectativa de vida inferior a seis meses.

Afirmou que, para essas pessoas, muitas das quais já estão mais para lá do que para cá, o futebol está longe de ser uma prioridade. E para ele também. Torce para a Dinamarca, claro, mas é pragmático. Disse que uma derrota na estreia não estava fora dos planos, que teriam de vencer o segundo jogo. Venceram, se bem que agora pegam o Japão em desvantagem. Seja pelo saldo de gols, seja pelo futebol, já que os japoneses têm jogado melhor.

Pelo meu amigo, vou torcer pela Dinamarca. Mas sei que, se não se classificar, ele não vai se importar muito, até porque seu segundo time é o Brasil, que já está classificado. E se depois o Brasil cair fora, ele também não vai chorar, como chorou conosco em 1982, quando a seleção de Telê perdeu para a Itália, pois sabe que na vida, como dizem os judeus ortodoxos, há coisas mais importantes. Certamente, no entanto, entre elas não está ou não deveria estar a religião. Pois em nome dela já se matou gente demais.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

O imediatismo e os palavrões

Por João Carlos Assumpção

Como as pessoas são imediatistas. Bastou o Brasil vencer aquela que era considerada a melhor seleção africana da Copa para todo mundo começar a elogiar o time. A Costa do Marfim pode ter sido muito badalada, tem bons jogadores, mas hoje bateu, bateu e bateu. O futebol robótico da Coreia do Norte é mais difícil de enfrentar do que uma seleção que sai mais para o jogo e não tem tantos jogadores talentosos como o time de Dunga.

Sigo discordando da maioria dos analistas e torcedores. O Brasil não convenceu apenas hoje. Já tinha convencido contra os norte-coreanos. Se vai ganhar o Mundial, são outros 500. A partir da próxima fase, tudo muda. Um descuido pode ser fatal.

E apesar de gostar do trabalho do Dunga, acredito que ele cometeu uma falha grave. Sim, poderia ter tirado o Kaká, que parecia tenso, entrando na provocação dos africanos. O erro, porém, foi outro. Foi ter xingado o Drogba após a partida, mesmo que em português, sendo que o atacante de Costa do Marfim, ao contrário da maioria de seus companheiros, não agrediu nem bateu nos jogadores brasileiros. Imagine se Maradona tivesse proferido os palavrões de Dunga dirigindo-os a um atleta brasileiro. Daria muito pano para manga.

Mas às vezes a gente perde a cabeça mesmo, principalmente no calor de um jogo de futebol. O importante é reconhecer o erro, pedir desculpas e tentar não o repetir numa próxima ocasião. Um exercício difícil, mas necessário. E que tem que ser diário.

Brasil e Israel

Por João Carlos Assumpção

Eu, que costumo andar com uma mochila do Sportv, que é muito útil e prática em quase todos os lugares onde vou, tive alguns "aborrecimentos" em Israel. E ao ter esses pequenos aborrecimentos, pensei como é complicado e pesado morar nesse país tão bonito e tão cheio de história e contrastes. Tinha que abrir minha mochila pelo menos umas dez vezes por dia. Quando ia a um restaurante, quando passava no cyber café, quando entrava na cinemateca local, quando ia ao shopping, na rodoviária, num pub... E sei que é necessário, é uma região de conflito, senão uma região de guerra mesmo. Atentados terroristas fazem parte da história israelense. Às vezes nem te revistam ou não abrem sua mochila, apenas perguntam se você está levando alguma arma e eu respondia que não.

Mas achei interessante que, quando estava deixando o país para retornar ao Brasil, depois de ter minhas malas revistadas e liberadas, uma moça, que tinha achado estranho eu levar dois barbeadores - é um costume, caso um quebre, tenho outro de reserva -, chegou e me perguntou: "Você vai mesmo para o Brasil?" Eu respondi que sim. E ela: "Mas não para o Rio, né?" E eu: "Não, mas por que a pergunta?" E ela: "Porque dizem que o Rio é muito perigoso. Tem de ter coragem de passar por lá." Eu, que já morei durante dois anos na Cidade Maravilhosa, contei para ela que, quando falava no Brasil que ia para Israel fazer um documentário sobre a Copa vista em região de conflito, muitos me perguntavam se eu era insano e se não tinha medo de sofrer algum atentado, levar um tiro, qualquer coisa assim. E aí ela me disse: "Mas Israel é um país muito mais seguro do que o Brasil."

Não tenho dados para analisar o que ela disse. Dá para perceber, no entanto, que quando pensamos em atrair turistas estrangeiros, ainda temos um longo percurso pela frente, como eles também têm. Pois há perigo lá, como há perigo aqui. E sinceramente não sei dizer aonde me sinto mais seguro. Na verdade até sei. No Brasil, porque sou daqui. Como ela se sentia em Israel, porque é de lá.

sábado, 19 de junho de 2010

Diego Forlán e o Uruguai

Por João Carlos Assumpção

Fiquei muito emocionado com as duas atuações do Uruguai, o empate que segurou contra a França e a vitória por 3 a 0 contra os sul-africanos. Nos dois jogos adorei a atuação de Diego Forlán. Há tempos acho que é um grande jogador e considero até agora o melhor desta Copa.

Adoro a garra uruguaia. Certa feita conheci uma moça que morava no Brasil, mas tinha nascido no Uruguai e tinha um filho fã do futebol da Celeste. Os dois já se foram, mas o futebol e a garra uruguaia continuam aí.

Não sei se o time vai longe nesta Copa, porém cada vez em que o time entra em campo me lembro dos dois.

E vendo o Uruguai jogar me lembrei também de outro, o de 1993, que enfrentou o Brasil nas eliminatórias e acabou eliminado, não participando da Copa dos EUA.

Fui ver o jogo em Montevidéu, empate por 1 a 1, e jamais vou me esquecer de duas cenas.
Uma foi no estádio, quando o Brasil fez 1 a 0 e Parreira levantou-se para dar instruções para o time. Um torcedor ficou irado e gritou: "Senta Parreira, está bom assim, você falando o time só vai piorar."

Lembro-me, também, de um grupo de garotos, 4, 5, 6 anos de idade, gritando para a gente: "Uruguai, Uruguai, Uruguai". Nunca mais os revi. mas cada vez que o Uruguai não ia à Copa lembrava-me deles. Hoje já estão com mais de 20 anos - espero que estejam bem - e contentes com a atuação uruguaia. Um empatezinho contra o México e o time estará nas oitavas-de-final.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Guerra é...

Por João Carlos Assumpção

Vou contar uma historinha que aconteceu na estreia do Brasil na Copa da Alemanha, em 2006. Era o jogo contra a Croácia. Na época, estava no Sportv e vi o jogo com algumas pessoas da Globo, entre elas a Sandra Annenberg e o pessoal do Casseta e Planeta - o Bussunda morreria logo depois, mas não lembro de estar conosco naquela partida.
Os torcedores croatas, numerosos, estavam sentados à nossa frente e a cada ataque do Brasil um deles olhava para a gente e fazia sinais com o dedo do médio, o que nos deixava, claro, irritados.

Até que Kaká fez o gol e um dos integrantes da turma do Casseta começou a gritar: "Lindo, tesão, bonito e gostosão", festejando o 1 a 0. Mas outro resolveu dar outro grito e bradou: Sérvia!!!

Pois foi então que o torcedor croata partiu para cima da gente e por sorte, se não não estaria aqui, acabou contido por seus companheiros. Só que urrava com o integrante do Casseta que havia gritado Sérvia. Ele se defendeu e disse que era como Brasil e Argentina, que gritam Argentina para nos provocar. Não adiantou. O croata retrucou: "Brasil e Argentina não estão em guerra. Os sérvios mataram muitos amigos meus."

E de fato é diferente. Guerra é uma coisa terrível, tive a oportunidade de ver isso na Tchechênia, uma experiência que não gostaria de repetir. E que gostaria que não se repetisse em Israel/Palestina. Para isso, no entanto, os dois lados, repito o que tenho dito, teriam que ceder. E muito. Que não dá para ter tudo e viver em paz está mais do que claro.

A Conta

por Lucas Justiniano

Quando nos perguntam de onde viemos, respondemos com uma palavra que parece mágica : “Brasil”. É mágica pois abre um sorriso no rosto de um povo que não costuma sorrir muito, em alguns, até um certo espanto, meio que não acreditando. Parece que você carrega uma áurea de não sei ao certo o quê.


E isso se deve única e exclusivamente à uma coisa: o Futebol. Somos os embaixadores de um futebol bonito, divertido, bem jogado; o famoso futebol arte. E esse talvez seja o único motivo pelo qual as pessoas de todos os cantos do planeta saibam que no mundo existe um pais chamado Brasil. E que foi nesse país que nasceram Pelé, Garrincha, Sócrates, Zico, Ronaldo(inho).


Temos um compromisso histórico com isso. Quando da escalação final da seleção de Dunga, estava eu completamente decepcionado. Até ali, ainda me restava uma esperança de Ronaldinho e Ganso na convocação; talvez um sopro desse futebol mágico de que estou falando. Minha indignação é porque com a maneira de jogo proposta por Dunga, estamos desrespeitando nossa história, nossa identidade, nossa cultura! E, mesmo se ganharmos a Copa, vou continuar achando isso. O que para Dunga vai ser o momento “vocês vão ter que me engolir”, de soltar bravatas a torto e à direito para toda a imprensa brasileira - dizendo ser “Ele” o dono da verdade -, para mim será um momento melancólico, um momento em que o futebol mais uma vez perdeu a graça. Não me identifico com esse estilo de jogo, porque não fomos - futebolísticamente falando - educados dessa maneira. Essa escola “parreirística” de jogo não me pertence simplesmente porque pertencemos a um país que sabe o que fazer com uma bola nos pés.

Após um dia bem cansativo, jantávamos em Ramallah. Na Tv, um programa com os diversos “top 10” das histórias das copas. O garçom - um palestino - não falava muito bem inglês, mas mesmo assim conversamos durante uma hora, falando apenas nomes de jogadores e comentando os momentos que passavam na Tv. Certo momento, levou ele os dedos aos olhos, simulando lágrimas: era a semi-final de 98, Brasil contra Holanda. Pouco depois , demonstrando ainda mais lágrimas, assistiu conosco à um compacto da final...

Uma foto com o Fenômeno ele tirou quando - como embaixador da ONU - Ronaldo visitou a região em 2005, e disse ser essa foto sua maior herança. Pedimos a conta e ele, meio sem graça, meio emocionado, me entregou. Após ler, confesso que também me emocionei...



quinta-feira, 17 de junho de 2010

Os muitos conflitos desta “terra santa”

por Arturo Hartmann

Jerusalém hoje acordou parada, mas não em silêncio. Segundo números oficiais, até 100 mil judeus ortodoxos ashkenazis foram às ruas manifestar seu repúdio à decisão da Corte de Justiça que proíbe que separem seus filhos de estudar de sefaradim, que segundo eles não teriam os mesmos costumes estritos religiosos.

O debate começou semana passada. O Jerusalem Post, em sua versão inglês, trazia uma matéria especial sobre o conflito que havia numa escola para garotas no assentamento de Immanuel, que fica em território palestino da Cisjordânia. Ali, as garotas sefaradim (judeus vindos do Oriente Médio) chamavam as ashkenazis (originados do Leste europeu) de ashke-naziots. A resposta era algo como sefaradim-baratas, em hebraico.

O debate, incluída aí a manifestação de hoje, foi uma exacerbação do que é visto como uma hierarquização mesmo entre as comunidades judaicas dentro de Israel. A mobilização foi enorme e expõe a importância e o tamanho das comunidades religiosas ortodoxas dentro do país, que muitas vezes se chocam com o conceito de democracia que Israel diz ter. Há liberdade para defender uma posição, mas neste caso de uma posição segregacionista, como noticiou o Haaretz.

Enquanto andávamos pelo centro de Jerusalém e íamos em direção a mais um dia de filmagem (vimos o jogo da Argentina X Coreia do Sul com um grupo de argentinos migrados há cerca de dois anos), pegamos um táxi com um palestino de Jerusalém Leste. O cenário era de ruas fechadas e a polícia atenta para uma nova investida dos manifestantes.

Argentinos assistem ao jogo.
foto: José Menezes


O palestino entrou na conversa e tentou contar um pouco da história da cidade que também é sua. Pergunto se os palestinos têm alguma convivência com esses judeus (os sefaradins) que na teoria são árabes. Diz que não, que eles os tratam igual os ashkenazis, narizes empinados. Mas admite que dentro da comunidade judaica, enxerga uma hierarquia, que a elite política é ashkenazi, que os melhores empregos, em sua maioria, ficam com eles também. E os palestinos? A eles não sobra nada, são a última escala de Jerusalém. Alguns judeus – de qualquer origem – quando chamam o táxi mas percebem que o motorista é palestino, desistem e esperam o próximo. Mas ele não se importa. É seu cotidiano.

Mais uma aula sobre os muitos conflitos deste Estado chamado Israel. Bastou uma tarde.

O exército e Maradona

por João Carlos Assumpção

A Argentina continua mostrando que é séria candidata ao título, embora ache que quando chegar o mata-mata as coisas mudam de figura. A Itália, que começou mal empatando com o Paraguai, por exemplo, pode crescer a partir das segunda fase, como já fez em outros Mundiais. E a Argentina, pelo contrário, cair.

Mas nada tira a emoção de ver Maradona no banco de reservas vibrando com seus jogadores. O time parece muito unido e fechado em torno do treinador. E esse pode ser o diferencial.

Depois das goleadas de Uruguai e Argentina, nos dois primeiros jogos da segunda rodada do Mundial, fiquei pensando que os gols finalmente podem passar a ser marcados com mais frequência. Pois na primeira rodada algumas seleções jogaram tão fechadas que pareciam um exército, defendiam-se em bloco, formavam verdadeiras barreiras.

E foi ao vê-las como exército, caso da Coreia do Norte, pensei no que acontece em Israel, onde o serviço militar é obrigatório para homens e mulheres, os homens ficam três anos no serviço militar, depois a cada ano retornam um mês para defender o país.

Quem anda nas ruas de Jerusalém ou Tel Aviv pode se assustar com tantos soldados. Mas no caso de Israel eles são necessários. Pois a história já mostrou isso. Se Israel não tivesse um exército forte, em 1967 teria desaparecido do mapa.

Neste momento, no entanto, mais do que de um exército, precisa de estadistas, líderes que de fato retomem as negociações de paz. Que façam suas exigências, mas aceitem ceder. Porque ceder é fundamental. Para os dois lados.

quarta-feira, 16 de junho de 2010

82: ano marcante para brasileiros e palestinos

Por Arturo Hartmann

Vimos o jogo do Brasil ao lado de Ali Zarif, morador de Akko. Ele sempre fez questão de nos mostrar a parte Velha, histórica, da cidade. E apontava incansavelmente bandeiras brasileiras que de fato dominam o horizonte deste lugar onde podem se ver igrejas, mesquitas e algumas sinagogas.

Durante o jogo, Ali vibrava, ficava nervoso, só ficou aliviado quando Maicon marcou o primeiro. E repetia: "Maicon is the best! That´s the brazillian game!". Não concordamos totalmente. Notamos, ali, como aquele árabe-israelense é apaixonado pelo futebol do Brasil.

Em sua casa recebia quase toda família. Um de seus cunhados é torcedor da Itália. Foi lá apenas para provocar. Teve desculpa até o segundo gol. Perguntamos por que torcia para os italianos. Respondeu: "Em 82, quando ganharam, dedicaram o título à Palestina". Ali não ligou muito para a afirmação. Prefere não entrar em assuntos da nacionalidade palestina dentro de Israel. Mas 82 foi um ano marcante para brasileiros e palestinos. Para nós, a tragédia do Sarriá. Para eles, o massacre de Sabra e Chatila.

O jogo da Alemanha e pequenas confidências familiares

por Arturo Hartmann

Jogo da Alemanha nos impressionou a todos, brasileiros, israelenses e palestinos. Parece que pintou candidata a encantar os olhos. De todo o mundo. Ainda é primeira rodada e as opiniões mais realistas por aqui não qualificam a Austrália com um adversário digno de dar aos alemães o posto de favoritos.

Assistimos o jogo com um israelense judeu da pequena e conservadora cidade de Afula, no nordeste de Israel. Mudou-se para Haifa para fazer Universidade. Está no mestrado de Arqueologia. A mudança trouxe a ele muitas coisas novas, como a convivência com os árabes, algo impensável na pequena Afula. Ele mesmo admite que certos comportamentos seus não seriam aceitos por seus pais.

Enquanto explicava como seu pai – um sionista judeu não-crente, não-religioso - havia migrado da Bielorrúsia para Israel, em 1991, assistia à convincente vitória do cabeça-de-chave do grupo D. E explicava como havia se apaixonado pelo jogo do país pelo qual muitos israelenses se negariam a torcer. Ele mesmo admite que usa a camiseta com “Germany” escrito apenas em algumas ocasiões. E evita andar por lugares onde circulem pessoas idosas, possíveis sobreviventes do Holocausto.

No fim, ele queria nos levar para uma cerveja. Diz que não quer mais escutar bandas que boicotam Israel, como Elvis Costello ou Gorillaz (é fã confesso). Gosta de Megadeth, banda que mesmo nos momentos mais impopulares de Israel, toca por estes lados. E fez uma confidência: quer ir morar na liberal Tel Aviv, mas pede silêncio. Morre de medo que seus pais descubram.

Jerusalém e o Shabat

Por João Carlos Assumpção

Estive duas vezes em Israel, a primeira há pouco mais de 20 anos atrás, a segunda, agora por ocasião do documentário sobre a Copa vista em região de conflito.

Jerusalém, pelo que me lembro de 1989, mudou muito, a parte ocidental está muito mais moderna do que antes, parece uma cidade europeia. As pessoas também achei muito mais simpáticas, mais gentis, menos rudes. Talvez tenha sido uma experiência pessoal, talvez o fato de gentileza atrair gentileza, mas acho que há algo por trás dessa minha impressão. Uma nova geração se formou e está hoje nas ruas. E tem suas diferenças com as gerações anteriores.

Discute-se muito hoje em Israel a necessidade ou o desejo de atrair cada vez mais turistas para a Terra Santa, atrair mais estrangeiros para visitarem Jerusalém, uma cidade que abrange algumas das principais religiões do mundo.

Para isso, no entanto, acho que o Estado (judeu) teria que repensar o Shabat. Pois, para quem não é religioso _judeu religioso, digo_, do pôr-do-sol de toda sexta-feira até o pôr-do-sol de todo sábado, praticamente tudo fecha em Jerusalém. Você não vê ônibus circulando, quase não encontra táxi, tem enormes dificuldades para encontrar um restaurante ou um pub aberto, não vê pessoas nas ruas, com todo respeito à religião, é um tédio para o turista que quer viver a cidade. É muito diferente de um domingo no Brasil, onde há várias opções de lazer.

Tel Aviv, que é uma cidade muito mais mundana, não é que nem Jerusalém no Shabat, o dia de descanso dos judeus, que não podem, entre outras coisas, acender a luz, ver televisão, dirigir automóveis... Quem quer seguir que siga, mas conversei com vários judeus não-religiosos que acham muito desagradável ficarem quase que confinados nestas cerca de 24 horas. Direito a transporte público, por exemplo, eles deveriam ter. A tomar café, mesmo em hotéis cinco estrelas, também. E não têm, pois é Shabat.

Contra a maré

por João Carlos Assumpção


Crianças em Akko comemoram vitória brasileira
foto: José Menezes


O assunto hoje parece ser um só: a estreia do Brasil na Copa. E as opiniões são quase unânimes. O time, em resumo, decepcionou. Faltou a arte que (quase) sempre caracterizou o futebol brasileiro. Faltam alternativas para o Dunga, que teria deixado (e deixou) vários craques de fora.

Entendo quem tem essa posição, mas vou remar contra a maré. Gostei do Brasil contra a Coreia do Norte. Não foi um futebol brilhante, mas não foi o futebol de 1990, pareceu mais o de 1994, quando, bem ou mal, fomos campeões. Continuo apostando que a Holanda será campeã, mas nem por isso vou criticar a atuação do time de Dunga contra os norte-coreanos.

Furar o bloqueio da Coreia não é fácil. No primeiro tempo eles se fecharam com tudo, o Brasil tentou, chutava de fora da área, entrava na área, mas três, quatro ou cinco defensores chegavam junto e a coisa não ia. No segundo tempo tudo melhorou depois do primeiro gol, que teria que sair mesmo pela lateral.

O time pode render mais? Muito mais. E pode dar espetáculo? Sim. Deu na Copa das Confederações, em diversos amistosos e em vários jogos pelas eliminatórias.

Claro, ontem começou uma nova fase, são sete jogos, se a equipe chegar às semifinais (aí garante no mínimo o sétimo jogo, mesmo perdendo, que seria a disputa pelo terceiro lugar). Faltam seis (espero).

Estou gostando do Dunga, que tem suas convicções. Admiro quem as tenha, pois não sei se eu mesmo tenho tantas convicções assim. Aliás o admiro porque não tenho tantas convicções assim. Para ser sincero, tenho muuuuito mais dúvidas do que certezas, o que não impede de eu ter gostado dos 2 a 1 da estreia.

terça-feira, 15 de junho de 2010

A Copa em Israel e no Brasil

Por João Carlos Assumpção

Enquanto meus amigos seguem sua peregrinação por Israel, estou de volta ao Brasil para assistir a estreia da seleção na Copa e correr atrás de recursos para o documentário, que ficará sensacional. E ficará melhor ainda por agora eu estar longe _risos.
Para mim a emoção é grande por ser meu primeiro Mundial em casa desde que eu era pequeno, 1978, a primeira Copa de que me lembro bem.

O início da Copa da África vi em Israel, torci muito por África do Sul (contra México) e Uruguai (contra França).

Um dos jogos de que mais gostei _se não o jogo de que mais gostei_ foi justamente Uruguai e França. Podem perguntar? Mas um zero a zero? Sim, um zero a zero. Sou fã do Forlan, que fez uma grande partida, e gostei da forma como o Uruguai se defendeu e segurou o ataque francês, mesmo com um a menos no final. Ops, qualquer semelhança com o Parreira é mera coincidência. Mas defender pode ser bonito também.

Minha seleção favorita, no entanto, segue sendo a Holanda, mesmo depois dos 4 a 0 da Alemanha. A Austrália, cá entre nós, não foi adversária em momento nenhum.
Em Israel, pelo menos em Jerusalém, as pessoas ficam em bares para ver os jogos, bares que se tornaram temáticos durante o Mundial. Em um os atendentes estão vestidos com a camisa da Espanha, em outro, com a da Argentina, num terceiro, com a do Brasil, num quarto, com a da Inglaterra. Mas as pessoas não torcem como no Brasil.

Em Israel, uma zona de conflito _se não uma zona de guerra_, quase todas as casas e carros ostentam bandeirinhas do país. Bandeira bonita, aliás, azul e branca, uma bandeira que nas últimas Copas podia ser vista nos jogos do Brasil, eu sempre observei isso e achei curioso. Como Israel só disputou a Copa de 1970, de lá pra cá teve que torcer para outro time e muitos escolheram justamente o nosso. Deram-se bem.

No Brasil, bandeiras nas ruas, ao contrário de Israel, só acontece durante a Copa. Mas acontece. Gosto de ver os carros de verde-amarelo, os bares, as padarias, as lojas... Depois de ter acompanhado cinco Copas in loco e duas do exterior, nada melhor do que ver o Brasil jogar... no Brasil. Pela TV, escutando o Galvão Bueno, com amigos, filhos de amigos, tendo acordado ao som das cornetas dos apartamentos vizinhos.

O futebol pode não ser a coisa mais importante do mundo _e certamente não é_, como me lembraram alguns ortodoxos em Israel, mas que é divertido pacas, ah!, isso é.

Primeiro dia da Copa nas comunidades africanas do sul de Tel Aviv

por Arturo Hartmann

Nosso primeiro contato com a comunidade do sul de Tel Aviv nos mostrou o quão delicado será nossa abordagem em relação a eles, o quão cuidadoso terá que ser nosso diálogo para que possamos contar sua história. Eles vivem sua própria realidade dentro de Israel, entraram, de certa forma, sancionados pelo Estado. Mas foram colocados, ou melhor, a eles lhes restou uma área ao sul de Tel Aviv, ao redor da Estação Central de Ônibus. Refugiados – do Sudão, da Libéria, da Eritreia e Congo - e trabalhadores migrantes de países asiáticos – das Filipinas, Tailândia e China - vivem em espera. Os primeiros esperam o status de refugiado – o que garante seguro-saúde e direito a trabalhar. Os asiáticos esperam pela próxima permissão de trabalho. A nenhum deles está no horizonte o direito de virar cidadão.

Para eles, este lugar é um trampolim econômico, talvez a única tábua de salvação após a saída por motivos políticos ou econômicos. Encontrar personagens dentro deste bolsão de pobreza pode dar uma melhor perspectiva sobre as políticas deste Estado. “Longe” do conflito, ou pelo menos de seu cerne, podemos entender questões administrativas menos inundadas por paixões políticas.

O jogo da África do Sul X México empolgou poucos. Uma mesa vibrava timidamente com os lances africanos e o gol foi o único momento de explosão. No geral, nesta área, no entanto, a empolgação com a Copa ainda foi pouca. Os gritos mais altos e mais fortes vinham de uma mesa um pouco mais afastada, mas nem por isso a menos barulhenta, onde estava uma brasileira. Ela torcia pelos sul-africanos em seu inglês macarrônico já influenciado por algumas doses de cerveja.

domingo, 13 de junho de 2010

Regras do Jogo

por Lucas Justiniano


foto: José Menezes

Existe uma idade na vida de um homem que eu acho um porre, uma fase em que poderíamos dar um FF (Fast Foward), que é entre os 8 e 12 anos (mais ou menos). Ficam chatos, pentelhos, birrentos, querem ser meio adulto, meio adolescentes, inventam jogos estúpidos, não medem muito as consequências das besteiras que fazem, inventam regras babacas etc etc etc, enfim.

Exemplo disso é em um jogo de futebol, onde sempre tem o dono da bola. E a molecada vai inventando regras, como aquela em que não vale tabelar com a parede, não pode cobrar arremesso lateral com as mãos, e, às vezes, quando tomam o gol que elimina a partida, resolvem usar até a regra do impedimento!

Num jogo como esse, as coisas sempre degringolam e sai briga, aí eles começam a discutir, e o dono da bola quer ter a razão, mas o outro foi quem “inventou” ou deu a ideia da brincadeira, e aí vai e toma a bola do “coleguinha” e eles vão ficar horas (se deixasse) tentando um tirar a bola do outro. Resumindo, nada se resolve, mas é aí que chega um adulto, que vê essa chatice toda e resolve tomar a bola e diz que: “Vocês não sabem brincar, a bola não é de ninguém, e agora ela é minha! Enquanto não pararem com essa palhaçada não devolvo!! E cada um pro seu canto pensar na merda que estão fazendo”.

Vendo daqui, às vezes parece que faltam adultos no mundo. E assim a bola vai ficando, ficando, ficando....