sábado, 17 de julho de 2010

Futebol e barreiras

por Arturo Hartmann

Hoje partimos, despedimo-nos das histórias deste lugar em Hebron, ali passamos nosso penúltimo dia. A cidade nos ensinou uma lição, talvez uma reflexão que precisávamos ter diante da ideia que tivemos. Viemos passar dois meses nesta terra com a crença de que, de alguma forma, poderíamos, através do futebol, ter uma visão deste conflito.

A ideia, pelo menos como ela parecia a mim, jamais foi dar a imagem de que o futebol pudesse amenizar o conflito, de que amainasse os ânimos e criasse uma linguagem de harmonia entre as pessoas que vivem um cotidiano de conflito.

Confesso que algumas vezes isso pode ter acontecido, que o quadro que se desenhava diante de nós nos tentasse a criar um mundo de paz nas telas, mas que seria distante do real. Se algo conseguimos, foi mostrar como o futebol se encaixa dentro de uma sociedade de conflito, como a linguagem tão comum a nós brasileiros transforma e é transformado na realidade específica de Israel e Palestina. O conflito poderia ser retratado a qualquer momento, mas o que fizemos foi escolher uma janela específica que nos dissesse algo mais. Diante dessa janela não tivemos controle. O futebol guiou a visão que fizemos deste lugar.

Se me perguntarem a conclusão a que cheguei sobre esse relato de nacionalidades, não saberia dizer. Fui perguntado por israelenses e palestinos à qual conclusão cheguei, mas não soube dizer. Minto se afirmar que não tenho opinião, que não cheguei a certas reflexões, até mesmo certezas. Mas Israel e Palestina ainda constituem um desafio, são amálgamas longe de estarem coesos, países que não são países, por diferentes motivos. A sociedade da ocupação, termo subjetivo e que eu uso, se forma a cada dia na negociação de seus atores. Inclusive que pode levar a um caminho de que este seja um país só.

Não quero com a palavra “negociação” banalizar a violência que eles vivem por aqui, não posso, especialmente depois de cinco meses nestas terras. Aos israelenses, a criação do medo, a base para a militarização de sua sociedade e de suas mentes. Aos palestinos, a ocupação, o cotidiano violentado e restringido.

As certezas a que esse filme chega, na minha visão particular, é a complexidade desta sociedade, sua humanização. E quando digo isso não quero dar a entender que o que acontece por aqui é trivial, que por trás da dureza das notícias que chegam até nós, existem belas atitudes humanas. Não. Quero dizer que humanizamos o conflito porque ele é feito e realizado por seres humanos. São eles que todos os dias vivem em meio a isto. Em meio a política e cotidiano, forma-se esta questão que conhecemos como questão palestina.

Nosso voo parte, nossa viagem que durou quase dois meses termina. Mas eles ficam. São israelenses e palestinos que ficarão por aqui. Eles continuarão a se encontrar nos postos de controle, nas prisões, nas incursões noturnas em busca de ativistas, em demonstrações, nos mercados, restaurantes, praias, no conflito armado que eles sempre esperam, que parece ser a aposta óbvia de tempos em tempos. Eles aqui falarão árabe ou hebraico. Deixamos esta terra para trás, mas levamos conosco um pedaço dela, uma parte envolta nas nossas próprias visões a respeito dela.

Este é o último post nos territórios, escrevo estas linhas de Jerusalém, a poucos metros do que se convencionou chamar de Linha Verde. Agora voltamos ao Brasil e tentaremos dar forma ao que vivemos por aqui. Um retrato das inúmeras barreiras que encontramos e continuam por aqui. As barreiras de concreto, que empunham armas ou algumas invisíveis, que se escondem no dia-a-dia deste lugar. O futebol não conseguirá derrubá-las, mas as deixa mais claras. E é isso que levamos e nada mais, a mistura do futebol e das barreiras.

Um comentário:

  1. Incrível texto, Arturo. Aliás, pelo blog foi possível "estar" com vocês por lá. Tenho certeza que esse documentário vai ser...bom, que outra palavra posso usar? Incrível.

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