quarta-feira, 9 de junho de 2010

Entediados com a ocupação

por Arturo Hartmann

Andar por Hebron com certeza seria um bom tema para o teatro do absurdo. Não traz surpresas, traz surrealidades que para nós, visitantes, são como um parque temático da ocupação. Para os palestinos, o cotidiano de sua cidade.

Posto de controle em frente a loja de Abed - Hebron
foto: José Menezes

Apesar da arquitetura que não passa desapercebida, as torções que fazem palestinos terem suas lojas nos andares de baixo de prédios onde em cima vivem israelenses, há algo que noto melhor agora. Uma dinâmica social que faz com que soldados israelenses e os habitantes palestinos se olhem nos olhos. Em uma vez em um milhão, o sentimento que sai desse contato pode não estar banhado de ódio, de rancor, de violência.

Caminhamos com a CPT (Christian Peacemakers Team). Eles patrulham as ruas de H2 (Hebron controlada pelos israelenses) para documentar abusos de soldados ou de colonos. Parte do trabalho é parar e conversar. E tomar chá, muito chá.

21h da noite, loja palestina na rua Shuhada. A descida que começa na mesquita de Abraão estende-se por 100 metros até a rua. Mas a loja de Abed está do outro lado. Se um palestino quer cruzar para onde estamos, ou até as outras 3 casas de palestinos que se alinham deste lado, devem pedir a permissão do soldado do posto de controle. E só aqueles com algum parentesco podem fazer essa travessia de 5 metros. Para muitos, ela é proibida. Aquele é um caminho reservado aos colonos judeus, aquele é o coração da parte judaica de H2. Ali, por esse enclave, 1800 casas e lojas estão fechadas. Dados de Abed.

21h07. Duas crianças palestinas provocavam os soldados que guardavam a passagem. Em um momento, todos se desarmam. De seus papéis. Por instantes. Os soldados e os meninos, sem deixar suas armas, batiam bola. Mais uma forma de passar o tempo do que qualquer outra coisa. Todos estavam, por um instante, entediados com a ocupação.

O soldado podia, a qualquer momento, empunhar uma arma, carregava em seu ombro o escudo do exército de Israel, estava lá sob as ordens do Estado, muito provavelmente acreditava na missão que levava adiante. Mas talvez estivesse entediado com a sisudez que é devida a este cenário lúgubre. A bola, a molecagem foram mais atraentes. Não via motivo, naquele instante, para ser soldado.

Somos advertidos, não pelo israelense, mas pelo pai do menino. Ele começa a elogiar o soldado, um russo que se diz israelense. Ele de fato é simpático. Falamos de reaggae, de música, de Brasil. Mas ele não quer que documentemos a cena. Ela pode confundir, criar uma ilusão da situação. Um momento de harmonia não retrata os outros milhões de rancor, ódio e violência.

O posto de controle vai fechar, depois não podemos mais passar. Hora de levantar. O jogo pára, deixamos nosso copos de chá na mesa. Yalla. Hora de ir. Os jovens voltam a ser soldados, os meninos são de novo palestinos. Nós observamos. A cena se desmancha. Amanhã, só veremos a ocupação.

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