quarta-feira, 23 de junho de 2010

Vida e morte

Por João Carlos Assumpção

Fui jantar com um dos meus grandes amigos, um jornalista que conheci em 1995, quando eu estava na Folha e ele, no Jornal da Tarde. Ficamos amigos no ano em que o primeiro filho dele nasceu. Tive o prazer de acompanhar o crescimento do garoto, que hoje está com 15 anos e joga basquete na Hebraica, como militante - não, não é judeu.

No jantar, pude constatar não só como o menino cresceu, mas principalmente como se tornou uma pessoa decente, íntegra, com valores. Ele disse que é ateu, criticou todas as religiões e completou dizendo que temos de fazer o bem porque é legal ajudar os outros, não porque desejamos ir pro céu, já que não acredita nele nem no inferno. O inferno, como ele mesmo disse, para muitos é aqui.

Vendo o garoto, agora já um rapaz, pensei nas pessoas que encontrei em Israel. Numa, em especial. Estava num pub com um grupo de cerca de dez israelenses, quando um soldado, que estava na mesa, disse que já havia matado duas pessoas. E contou com prazer. Outro comentou que o mundo sem os árabes seria melhor. Não sei se era verdade o que o primeiro me contou, mas fiquei espantado. Tentei entender a realidade deles, que é completamente diferente da nossa. Só que não consegui.

Prefiro pensar em outra realidade, na de um amigo dinamarquês com quem falei por telefone logo após a estreia da Dinamarca, derrota para a Holanda por 2 a 0. Perguntei se havia acompanhado o jogo, respondeu que só até o 1 a 0, pois estava atendendo um paciente terminal - é psicólogo e trabalha com doentes que têm expectativa de vida inferior a seis meses.

Afirmou que, para essas pessoas, muitas das quais já estão mais para lá do que para cá, o futebol está longe de ser uma prioridade. E para ele também. Torce para a Dinamarca, claro, mas é pragmático. Disse que uma derrota na estreia não estava fora dos planos, que teriam de vencer o segundo jogo. Venceram, se bem que agora pegam o Japão em desvantagem. Seja pelo saldo de gols, seja pelo futebol, já que os japoneses têm jogado melhor.

Pelo meu amigo, vou torcer pela Dinamarca. Mas sei que, se não se classificar, ele não vai se importar muito, até porque seu segundo time é o Brasil, que já está classificado. E se depois o Brasil cair fora, ele também não vai chorar, como chorou conosco em 1982, quando a seleção de Telê perdeu para a Itália, pois sabe que na vida, como dizem os judeus ortodoxos, há coisas mais importantes. Certamente, no entanto, entre elas não está ou não deveria estar a religião. Pois em nome dela já se matou gente demais.

10 comentários:

  1. Texto bonito, João, mas volte a escrever mais sobre futebol. Gostou dos americanos hoje? Abs. do Colorado, futuro campeão da Libertadores.

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  2. A gente fica feliz quando vê uma criança crescer e se tornar um adulto que vale a pena, não? Gostei muito do seu texto. Por mais que a gente tente não dá para entender uma realidade assim, por isso o documentário de vocês é tão importante. Há pessoas e pessoas no mundo. Há pessoas como esse seu amigo dinamarquês e há pessoas que se vangloriam de ter matado alguém. Sabe se foi em legítima defesa pelo menos? Se foi em legítima defesa a situação é diferente. Você perguntou para ele?

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  3. Tava refletindo sobre a história que você contou, o israelense que te contou a história não poderia estar tirando um sarro da sua cara? Pode ser, não?

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  4. Alexandra Guimarães23 de junho de 2010 às 20:45

    Lindo texto mesmo. Pense nas pessoas boas, não nas más. O que matam em nome da religião não está escrito. Ela serve para manter os pobres e oprimidos conformados com sua situação, pois é deles o reino do céu, como espalham por aí. Jesus nunca diria uma besteira dessas.

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  5. Alexandra de Azevedo Guimarães23 de junho de 2010 às 20:48

    Vou dar o braço a torcer sobre outro assunto. Nessa Copa você não tem ido tão mal como eu imaginava que fosse. Apostou no Uruguai e ficou em primeiro (eu criticava o futebol uruguaio e apostava na França), defendeu Holanda (foi Holanda mesmo?, se foi acertou) e o Brasil se classificou na segunda rodada no chamado grupo da morte. Acertou que o Parreira cairia logo na primeira fase, "feito" inédito, tô começando a acreditar em você

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  6. João Carlos Assumpção23 de junho de 2010 às 21:40

    Ops, finalmente alguém acha que estou indo bem nos palpites. Show!!! Quanto a se o cara estava falando a verdade ou não eu mesmo me fiz essa pergunta. E de fato não tenho ideia. Abs. a todos os que comentaram, João Carlos

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  7. Menos, João. Você apostou na Holanda e o grupo na Argentina e na Alemanha. tão melhor no bolão que vc

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  8. Alguém sugeriu que vcs. fizessem exposição de fotos coisa e tal além do filme. Mas os textos estão muito bons mesmo. O de hoje é tocante, mas como outros internautas já reclamaram sinto falta dos textos do Arturo e do Lucas, os dois complementam os do João. Sinto falta também de fotos, cadê as fotos? Abraços do Rafael

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  9. João Carlos Assumpção24 de junho de 2010 às 07:04

    Calma, Rafael, o pessoal está se matando de trabalhar no filme, fotos virão e textos do Arturo e do Lucas também. Quanto ao Anônimo, tudo bem, o grupo apostou na Argentina e na Alemanha, mas pelo que me consta a Holanda também está classificada. Ainda vamos ver quem se sai melhor. Se eu ou meus amigos. Sou mais eu. Abração, João Carlos

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  10. Parabéns a todos vocês (com uma pontinha de saudável inveja)Gostaria muito de estar envolvidonum projeto tão importante, criativo e necessário.

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